terça-feira, janeiro 30, 2007

Partida

Amanhã parto para Singapura, levando comigo restos de uma gripe.
Espero encontrar a minha filha, que está sempre bem disposta quando falamos no msn, de boa saúde e o marido também. Tentaremos dar um ou dois passeios pelos países vizinhos.
Até um dia.

sábado, janeiro 27, 2007

Nina

escadas

enquanto desço as escadas
e o corrimão estremece sob o
peso dos meus pensamentos

revejo a minha sombra

descendo as escadas

mal consigo segurar os
pensamentos

escavo os muros laterais
esgarçados
pela humidade subterrânea

espero ver surgir a alma da
velha casa
ouvir os falares dos
seus anteriores povoadores

gravados nas pedras esboroadas
nas areias aglutinantes
nas tintas retalhadas da
superfície

chego ao fim das escadas

alijo o peso dos pensamentos

subo a escada


m.f.s.

enquanto talvez

talvez me fique por aqui
enquanto os zunidos dos cabelos
se encabritam

enquanto houver frestas entre os
espíritos
macambúzios

e os dedos esfriarem
nas luvas de ciclista
talvez desista

ainda devo surgir
em contra-luz
nos pesadelos das criancinhas

talvez

talvez arraste correntes de
ferro fundido
e vestes ectoplásticas

serei uma silhueta iridiscente
que desliza
sobre águas sulfurosas

cantarei numa voz de cinzas
as maravilhas do
grande atractor

uma singularidade qualquer
dar-me-á
outra embalagem

desta vez terei nos olhos
as lentes de contacto
que tanto cobicei

m.f.s.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Quintaleco em estado de sítio

A parede já está toda picada
O abacateiro tem as folhas a amarelecer e a cair
Redes que não vão impedir que o cimento caia sobre o abacateiro
Folhas manchadas
Aqui a hera ainda não tinha sido arrancada
Andaimes

Quintal caótico



Um desespero, o quintal cheio de lixo, enquanto as obras não acabam

Ana Paula Inácio

a ti,
leitor implícito não representado
a quem chamarei Jorge
pela confusão a que se permite com George
fonia de um país maior
e ainda distante
- a distância revela um amor mais límpido -
pergunto
como ressoam as frases dos meus versos
e que respostas dás
às minhas não perguntas
sabes Jorge
quantas manhãs tem um dia
ou quantas noites
ou será que já tás deitado
e o meu mail
encontra o teu ecrã desligado
ou será que tens o coração em on
ou entristecido de
dor ou de tédio
risca o que não interessar
e preenche a cheio
(desculpa o pleonasmo)
o traço descontínuo

Ana Paula Inácio
Telhados de Vidro
N.º 7 Novembro 2006

When cats attack

When Cats Attack

Punjabi thriller

Punjabi Thriller

quinta-feira, janeiro 25, 2007

as formigas
transportam as
aranhas
desfalecidas
em macas de sons
cavos
os escaravelhos
esmaltam o
exo-esqueleto
as unhas dos
felinos
deixam rastos
na espessura do ar
os estendais
bailam
há anos que
os morcegos
desfazem os
ninhos
todas as noites
o arco-íris
tinge os olhos
adormecidos
dos bébés
recobrem-se
as moléculas
de músicas
reprodutoras
as conclusões
desfiguram-se
sobre as
encostas
das planícies
desfeitas

esta noite vou
viajar com os
condores

m.f.s.
fechar as janelas
as portas de chumbo
esvaziar as imagens

dormir
não dormir
correr imóvel nas
praias de vidro

reparar nas virtudes
virtuais
do mel amargo
das vespas de oiro

fosforescer as
sobrancelhas
em ogiva
refrescar
os queixos
prepotentes

refazer a simetria
dos rostos
gastos
desgostosos
em sombra

soltar as lanternas nos
jardins da noite
ofuscar os óculos
vermelhos
as estradas
de neblinas

furar as miragens
pintalgar
os sentimentos

imobilizar-se

m.f. s.
caçar os murmúrios
entre os
vagos espaços
desocupados
das almas
hibernantes

estender as mãos
tocar o cimo das
nuvens
precárias
ver para lá das
esquinas

volatilizar-se

m.f.s.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Pela manhã




Fiama Hasse Pais Brandão

Mais uma poetisa que nos deixa.

ANJO E ÁRVORE

Só quando se tornam opacas as paisagens
reconstituo sobre uma árvore escura o Teu sorriso.
E é preciso a Natureza tornar-se espessa e que
ao ser olhada em baixo a água nada reflicta
para queo Teu rosto próximo ainda exista. Não
é possível unir a Tua boca aos Teus olhos no ar
claro. Na luz geral avassaladora onde Tu
Te ocultaste ao partir eu espero agora a penum-
bra que engrossa os contornos. Ou que a cinti-
lação da água a torne em zinco puro. Para de-
pois Te ver como uma mancha ténue que
contrasta com as imagens destas árvores.

Fiama Hasse Pais Brandão

Obra Breve
Poesia reunida
Prefácio de
Eduardo Lourenço
Assírio & Alvim

sábado, janeiro 20, 2007

Ainda Singapura

Está decidido, vamos levantar as passagens o mais tardar na sexta-feira. E talvez tenhamos oportunidade de ir à Tailândia.
Hoje fechei-me outra vez na concha e nem Fui à exposição inaugurada na galeria.
Sexta tirei provas de outra gravura, mas saí-me uma coisa...de que só gosto parcialmente-. Vou ver se fotografo as provas de ensaio.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Apocalypto


Ainda não sei se vá ver este filme

flickr

Tinha à volta de 2000 fotografias no flickr, mas como não renovei a assinatura, só mostram umas 200.
Havia uns visitantes habituais no passado, que estiveram muito afastados durante algum tempo. Alguns regressaram, entre eles o Baywhale cujas fotos muito aprecio.
E apareceu um novo. Fui ver as fotos dele e descubro que é pintor e que trabalha também com "emaranhados", como eu! Belezura.
Hoje comprei um leitor de Mp3 com rádio também, para descansar no avião e me entreter em Singapura nos tempos mortos.
Tenho tido um mau pressentimento: a minha colega desistia de ir comigo...

Luiza Neto Jorge

DO MEDO I


É de ti que eu sou irmã
por ti fui trocada em criança
quando as estrelas semearam a noite
(Ficávamos chorando de medo
se o laço branco da trança não desse
para a escuridão toda do quarto)

Tenho os silêncios que me emprestaste
e na cidade que levantámos há pouco
(não destruiremos nunca)
habitam os pais
com os não irmãos mortos à nascença
que o eco de um flauta eternizou

no cais dos barcos pequenos de papel
somos irmãos de ninguém
ancorámos com amarras de dúvida

é nosso irmão o medo do poente
a porta azul da morte

Em redor em redor de nós
a solidão voou borboleta negra de metal
caiu enforcado público na gravata verde
(a mesma solidão que cega
os arcos concêntricos das pupilas)

desde a rua ao bolor dos corpos poetas
da porta esquecida sem número
à mulher vendida aos ventos da noite

sem nevoeiros asfixiamos nítidos
nos passeios nos fatos nas cadeiras
nas cúpulas nos clarins

e sentes contigo os corpos das mulheres
de bruços sobre o dia
renascidos maduros os limites da carne

Há nebulosas de anos sem sentido
que vimos aprendendo o amor

há um embrião de veia
há uma veia atávica vermelha
nos mil séculos anteriores ao homem

Quando nos será possível um suicídio exacto
em casas impossíveis
em ondas impossíveis
em (integralmente areia) desertos impossíveis?

Nasceu o sol na erva a erva nos degraus
os degraus desceram ao horizonte


Luiza Neto Jorge
Quarta Dimensão
poesia
organização e prefácio de
Fernando Cabral Martins
Assírio & Alvim
2ª edição
2001

Gata

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Projecto

Noite


Babel



Há muito tempo que não ia ao cinema
fui ontem ver Babel
um filme de uma enorme tristeza nipónica desespero americano alegria e tragédia mexicanas
ternura também
o elenco marroquino merecia um óscar sobretudo os rapazes
a ama mexicana também
trata-se da história das consequências de um simples acto de agradecimento
bela fotografia
paisagens marroquinas poderosas
deserto
marroquino e americano

segunda-feira, janeiro 15, 2007

escritos

estou outra vez arredada dos escritos
não me importo muito

no sábado fiz um desenhito no computador no pixia

pode dar uma boa gravura se eu conseguisse fazê-la

agrada-me o despojamento e a cor

Singapura

hoje falei com a minha filha no MSN
dela tenho saudades e não há nada a fazer
o marido está contente no seu trabalho de arquitecto
toda a gente quer ir a singapura
com alojamento gratuito não admira


passei um fim de semana de concha
fechada
mas tranquila
preguiçando

voltei a ver o 2º disco de "Que raio sabemos nós?"
vi com atenção as entrevistas aos três responsáveis pelo filme
tão interessante tudo

verei de novo o filme noutra altura de preguiça

no sábado ainda tirei mais uma prova da última matriz em cobre
aqui está

Maria Teresa Dias Furtado

Numa cor mais alegre mais aberta
rasa de luz se abre a nova rosa
alisa as suas pétalas que elidem o tempo
grácil na sua leveza pura adolescência
sinal de um momento anúncio de um sim
promessa de um sempre que o Deus ausente
consuma e liberta porque essa ausência é fértil
na profusão invisível do seu arco de luz
Dele solta uma flecha pura vibração
que todos os espaços livre atravessa
e cumpre ao soltar-se a pausa
de uma coluna nenhuma esperança é vã
na duração obscura o bálsamo derrama-se
nas atormentadas cabeças quem vacila ganha
o formoso vigor dos seus primeiros passos
Extremo sortilégio o dessa mão sem mão
o desse coração aberto como nascente
o desse olhar sem olhos o dessa palavra sem som
O eco que se molda é absoluta transparência
o ardente esplendor traça os seus contornos
a lucidez respira esse momento solar
na permanência exclui todo o anónimo fluir
e cada ser é novo na novidade do seu nome

Maria Teresa Dias Furtado
25 de Março de 1993

Poemas celtas

MUITAS CANTIGAS

Eu nada sabia.
E tonto que era,
pensava que a vida
contigo casado,
seria alegria,
folias e bailes

e muitas cantigas.
Apenas ganhei,
depois de casado,
horas sem conto
a embalar o berço.
O menino chorava
e só sossegava
com muitas cantigas.

Tradição oral
Galês
(Século XVII)
O Imenso Adeus
Poemas Celtas de Amor
tradução de
José Domingos Morais
Assírio & Alvim

Paulino Lorenzo

BARRIO APAGADO

Duerme la calle, es lenta y viene de muy lejos,
desde un ruido de pájaros curiosos que observaran
la piel de un corazón, el mío. Qué hago aquí?
Nada nuevo, fumar, perder el tiempo,
escuchar los oscuros chasquidos de los charcos,
resolver el poema con un último verso
callado ante el acuario lúgubre de unos ojos.

Paulino Lorenzo
Poesia Espanhola,
Anos 90
Joaquim Manuel Magalhães
Relógio d´Água
2000

Hilda Hilst

Do desejo
(trechos)

I

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.


IV

Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?

V

Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Este da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.

Hilda Hilst
Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século

Bagas

Tarlatana

domingo, janeiro 14, 2007

Ernst Barlach


Ernst Barlach no canal arte

http://www.arte.tv/fr/70.html

não sentir

faço por não sentir saudades

estou a ver Mezzo com Julien Clerc e algumas variações sobre canções suas em som "eruditto"
Julien Clerc e Chopin

às vezes desejava desumanizar-me

a música pode ser a mais sublime das artes...
é-o

os outros estorvam-nos
porquê?
e contudo são cofres de tesouros a descobrir

os rostos decadentes têm uma beleza éblouissante

os olhares ausentes por vezes vagueiam pelo interior caótico das almas na última etapa

as linhas causam-me estranhas sensações de euforia
comovem-me

os rostos que se repetem nos seus gémeos são fotogramas de outras sequências
dos mesmos

em miúda escrevia histórias em que uma menina encontrava uma varinha de condão
que uma fada desastrada tinha deixado cair
com ela resolvia os problemas de miséria doença desamor

últimos

é o último harpejo
o último vislumbre
a última câimbra estomacal

estamos nos derradeiros
momentos
dos derradeiros
instantes
nas circunvalações
dos caminhos finais

as fendas últimas
nos corações de prata
no vazio económico
da música de piano

o esvoaçar das poeiras
primaveris
aproximam-se do colapso
os dedos que apontam
perdem
as unhas de cinza
pintadas

caem as pétalas restantes
dos verões
inundados de planícies
secas

os insectos silenciam os seus
suspiros beethovianos
as cordas dos
violinos abrem as asas
de plástico
partem para o voo final

o cantor nos seus íntimos
devaneios
alinha os sons inéditos
da canção
do adeus

m.f.s.

sábado, janeiro 13, 2007

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Luís Manuel Gaspar

Vou ver-te velada por uma névoa de saliva
em maio, na babugem, reconheço-te o halo,
as pernas turvas no aterro de cinza que assinala
um lábio fito, a baba que não cura,
ínsuas maceradas de pele gasta

O novelo dos veleiros que apanhavas à saída
tecendo também o molhe, as velas pandas passando ao largo
de uma praia de paredes apertadas, tábua solta
que batia no coalho, o coração

Invadiram-te, na tarde tão fria, os telhados de vidro,
a última chama fosca ateia a baba
por um sol submerso,
permite que eu corte a corda
à vela recolhida sobre os rombos

Luís Manuel Gaspar
Aguaçais
Pandora
Averno | 004

Jaime Gil de Biedma

CANÇÃO PARA ESSE DIA

Eis que chega o tempo de se soltar pombas
no meio das praças com estátua.
Vão dar a nossa hora. De um momento
a outro, irão ouvir-se badaladas.

Olhai os tenros nós das árvores
exalar-se visíveis na luz
recém-inaugurada. Leves fitas
pendem de nuvem em nuvem. E grinaldas

sobre o peito do céu, a palpitar,
são como o ar da voz. Palavras
vão ser já ditas. Ouvi. Escuta-se
rumor de passos e bater de asas.

Jaime Gil de Biedma
Antologia Poética
Edição Bilingue
selecção e tradução de
José Bento
Edições Cotovia

ÁNGEL GONZÁLEZ

INVENTÁRIO DE LUGARES PROPÍCIOS AO AMOR

São poucos.
A primavera tem muito prestígio, mas
é melhor o verão.
E também essas frestas que o outono
forma quando interfere com os domingos
em algumas cidades
já de si amarelas como bananas.
O inverno elimina muitos sítios:
gonzos de portas orientadas a norte,
margens de rios,
bancos de jardins.
Os contrafortes exteriores
das velhas igrejas
deixam às vezes vãos
a utilizar, ainda que a neve caia.
mas desenganemo-nos: as baixas
temperaturas e os ventos húmidos
dificultam tudo.
As leis, além do mais, proíbem
as carícias (à excepção
de determinadas zonas epidérmicas
sem qualquer interesse -
em crianças, cães e outros animais)
e "não tocar, perigo de ignomínia"
pode ler-se em milhares de olhares.
Para onde fugir, então?
Por todo o lado olhos de viés,
córneas torturadas,
implacáveis pupilas,
retinas reticentes,
vigiam, desconfiam, ameaçam.
Resta talvez o recurso de andar sozinho,
de esvaziar a alma de ternura
e enchê-la de fastio e indiferença,
neste tempo hostil, propício ao ódio.

ÁNGEL GONZÁLEZ
Tratado de Urbanismo
Tradução de Helder Moura Pereira
Fenda
2001

John Keats

SONETO ESCRITO EM REPULSA
DA VULGAR SUPERSTIÇÃO

Os sinos dobram com melancolia
Chamando o povo para as devoções,
Outras tristezas, outras contrições,
E o hórrido sermão que o padre esfia.

Sem dúvida que os homens por magia
Sinistra estão vencidos: se as visões
Ao canto do seu lar ou as canções
Pagãs el's trocam por tal fantasia.

E dobram, dobram... Mas não me estremece
Funéreo calafrio, pois que os sei
Morrendo aos poucos qual candeia finda.

São el's quem chora a morte que os empece.
Há-de florir de novo a humana grei
Em pura glória mais eterna ainda.

John Keats
Trad. de Jorge de Sena

Jaime Rocha

30

Porque se trata de uma mulher com um universo
devastado, trazida pelo anjo, com os seios agrafados
numa pintura. De uma terra longínqua, onde a lua
desce contra o chão e os barcos sobem pela espuma
engolindo as ondas. O cavaleiro salta para uma nora,
tem um corte de tesoura na testa e pela primeira
vez fala de uma paixão que habita no interior da sua
sombra. A mulher acorda no outro lado das sebes,
na claridade. Nesse atalho, por onde passa o sangue,
vê reflectidos os magníficos ganchos das suas mãos. Um cesto
deitado sobre uma placa de mármore e uma esteira
enfeitada de lírios brancos, tudo no espaço de um
espelho atravessado pelo corpo do jovem amante,
enquanto o cavaleiro se perde na mata, mortificado
pelas pedras quentes de uma bruxa.


Jaime Rocha
ZONA DE CAÇA
Relógio d´Água

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Gravura

Pormenor de uma prova de gravura
Hoje tirei mais uma prova da gravura em que estou a trabalhar neste momento
A cor é diferente das outras duas já tiradas
Depois fiz mais uma "brincadeira", com técnicas aditivas...Resultou mal, como se vê, porque o papel de ensaio dobrou-se. Talvez isso me inspire...

asas




Numa loja chinesa, na secção de produtos para o carnaval, havia asas de anjo à venda...
Usei asas quando, em criança, participava nas procissões ou na festa da ressurreição. Havia uma enorma magia naquelas asas presas às túnicas que eram em cetim roxo, ou branco, consoante a época da páscoa.

les fiançailles

les fiançailles de la jeune reine
cozinhados nos colos dos alcoviteiros
costumeiros na grelha dos peixes mortos
embrulhados em diamantes de fancaria
coroados de hipócritas alegrias
no dever do herdeiro perfeito

abrem-se os olhos das jovens prometidas
renascentistas de colares esganadores
cabelos venezianos no cobre luminoso
rendas pesadas sobre as fragilidades
dos corpos mal alimentados

enchem-se os ventres de líquidos amnióticos
cinzentos de venenos engendrados
na germinação do futuro ditador

morrem as jovens rainhas após a expulsão
das monstrosas criaturas não desejadas
em seus recônditos esconderijos

sobem aos nirvanas esmaecidos

repousam nos leitos de margaridas

perfumadas de violetas


m.f.s.

fujo

deixo-vos nas mãos dos algozes enamorados
serrilhas afiadas contra o peito
desejo-vos boa sorte nas noites expurgadas de bonomias
sem glórias ferrugentas

espero-vos à saída das igrejas arruinadas
sobre fundos de mares esmeraldinos
céus vermelhos de nublados apocalipses
minhas asas carnavalescas apoquentadas
pela fragilidade das amoras silvestres

semeio nesses corações de papier maché
a revolta dos trevos alentejanos
nas curtas primaveras de senis cenários
colho da alma alguns desejos acamados
nas longas noites do inconsciente

fujo
fujo de mim

m.f.s.

os amores

os amores inodoros das pensantes cacafonias
em requebros de tentadoras ninfas
formadas em bastidores hollywoodescos
lançam sobre incautos desamados
suas ilusórias indústrias
a toda a força incutidas nas epidermes
desprotegidas
memórias plantadas no fértil terreno
dos imaginativos
chás de olorosas ervas numa grinalda de
folhas maceradas
no sangue dos adormecidos
enrolam-se nas cinturas dos bacos de
passagem
amarelecem as roupas virginais das
noivas de ocasião e seus parceiros
amputados em cerimónias de santo antónio
nos adros das decadentes catedrais
dos futuros abandonados
à sagacidade dos contrários
erguei-vos metafóricas donzelas
ceifai as espigas florescidas
antecipadamente
segui os trilhos das aranhas
azuladas de desejo
comei os açúcares envenenados
nas garrafas outonais dos vossos abrigos

até breve
crentes

a perfeição não é imutável

m.f.s.

Vícios

Paul Celan

CANÇÃO DE UMA DAMA NA SOMBRA

Quando vem a taciturna e poda as tulipas:
Quem sai ganhando?
Quem perde?
Quem aparece na janela?
Quem diz primeiro o nome dela?

É alguém que carrega meus cabelos.
Carrega-os como quem carrega mortos nos braços.
Carrega-os como o céu carregou meus cabelos no ano em que amei.
Carrega-os assim por vaidade.

E ganha.
E não perde.
E não aparece na janela.
E não diz o nome dela.
É alguém que tem meus olhos.
Tem-nos desde quando portas se fecham.
Carrega-os no dedo, como anéis.
Carrega-os como cacos de desejo e safira:
era já meu irmão no outono;
conta já os dias e noites.

E ganha.
E não perde.
E não aparece na janela.

E diz por último o nome dela.
É alguém que tem o que eu disse.
Carrega-o debaixo do braço como um embrulho.
Carrega-o como o relógio a sua pior hora.
Carrega-o de limiar a limiar, não o joga fora.

E não ganha.
E perde.
E aparece na janela.
E diz primeiro o nome dela.
E é podado com as tulipas.

Paul Celan

Solveig von Schoultz

O CORAÇÃO

Demos-lhe sementes; não muitas,
mas quanto bastasse para não se cansar;
água lhe demos, apenas um dedal,
para a fonte lhe recordar.
Abrimos tão pouco a porta,
para que os céus lhe batessem no olhar
e à gaiola um pequeno espelho prendemos
pra de frente a nuvem poder contemplar.
Quieta se sentava, com as asas palpitantes.

Assim ela cantava.

Solveig von Schoultz (1907-1996)
Trad.José Agostinho Baptista
A Rosa do Mundo
Assírio e Alvim

Laureano Silveira

ARANHAS

Inventam o crime.
Inventam a arma
Inventam a música da sedução.
Aguardam que a vítima se invente
a si própria
e em seguida destroem-na ...
para se recriarem.

A cerimónia tem lugar
no lado de fora de um labirinto.
Dentro dele
o Universo desenvolve a arte de inventar,
institui os fundamentos do prazer
e do pânico
modelando cuidadosamente
a máscara da morte.

Tudo para que a vítima seja exemplar
E que na sua multiplicidade
Seja una.

Só assim as aranhas
podem continuar a garantir
a inexplicável passagem
do tempo.

Laureano Silveira
Os Retratos
OS OUTROS
Antologia De Poesia Portuguesa:
anos 80 e depois
Coordenação, prefácio e notas de
Leopoldino Serrão
editora ausência

Rua Augusta

Artur Rockzane

monja d escamas de prata participo de macumbas
noite adentro coxas afora ungida pela datura ferox
e pela navalha inox de algum bandido
numa cerimónia à falta de galinha propus o coração
do Paulo Coelho Exú zangou-se
- o coração desse nem deus o quer
quero o teu - Messalina!
emprestei-lho de bom grado
já que o meu estava na chuva
e o que usava era roubado
Exú entendeu e perguntou-me o que eu queria
- gostaria de desejar as estrelas
só para comê-Ias com chantilly
Exú riu e a caveira cantou e o mundo amanheceu
cheio de pássaros da gargalhada de Exú e do canto da caveira
e nas minhas coxas entornadas algumas estrelas
com chantilly

Artur Rockzane
Soror Messalina: Datura Ferox
edições quasi

Docas

já as alegrias

já as alegrias se retiravam do cenário da minha vida
os consolos rogavam aos deuses o fim das hipóteses

caminhos devanesciam-se na paisagem tornada uma página vazia

o branco opaco rodeava-me num abraço sem fim e sem substância
escolheria seguir por vias mais habitadas por rotas marítimas

desejaria sentir as vibrações dos sinos figurados nos templos
as enormes pinceladas dos pintores gestualistas sobre os muros

quereria rumar aos horizontes invisíveis no desenho ancestral
lançaria nos campos lavrados as sementes dos trigos celestiais

esperaria o maná purificador de todas as tormentas não expostas
agarraria o voador insecto na sua trajectória de ser prodigioso

criaria sobre as minhas frágeis costas as asas translúcidas das libélulas
que me transportariam pelos infinitos jamais sonhados dos sonhos incompletos

seria o projecto da minha mente tantas vezes esboçado nunca realizado

m.f.s.

terça-feira, janeiro 09, 2007

António Osório

LITANIA AO SOL


Os homens vivem a sua morte
e morrem a sua vida.
Heraclito

O dia do seu nascimento para a eternidade
é um belo dia para a múmia
que transporta no ventre um escaravelho.

Esse dia é um belo dia,
porque terá vida, saúde e força
e nenhum grão de areia resta no seu lugar.

Esse dia é um belo dia,
porque detém uma cabeça de pasta de vidro
azul. e um anel com engaste de concha ou rosa.

Esse dia é um belo dia,
porque se tornou uma célula morta no corpo do espaço
e retornará, multiplicando-se, em grãos de trigo.

Esse dia é um belo dia,
porque conhece a encantação de expelir o sémen
além do deserto sírio, até à Via Láctea.

Esse dia é um belo dia,
porque a abertura da sua boca e dos olhos
fez-se com testículos de um touro sacrificado.

Esse dia é um belo dia,
porque está dentro da sua própria luz
e esplende na vibração cósmica.
.
Esse dia é um belo dia,
porque o deus com cabeça de abutre
decretou que sua vida duraria milhões de séculos.

Esse dia é um belo dia,
porque ela verá Osíris e o seu membro
em cabeça de leão, penetrante de sol.

António Osório
O Lugar do Amor
Felicidade da Pintura
Círculo de Poesia
Nova Série
Moraes Editores
1985

Pedro Mexia

UMA ÁRVORE


Uma árvore é uma ideia.
Se olhares para uma árvore
ela desaparece.
A casa por entre os ramos
que na infância não construíste
surge como um fantasma menor.
Não saber o nome das árvores
deixou-te estranho e alheado,
mas elas também não sabem
o teu nome.
Uma árvore não te dará sombra
ou madeira:
é um vocábulo e um símbolo
mas não sabes o seu sentido.

Pedro Mexia
Duplo Império
edições quasi

segunda-feira, janeiro 08, 2007

simetria

marco um ponto
por ele faço passar um
número infinito de eixos

num qualquer deles
marco uma
imagem

no outro lado do
ponto
sobre o mesmo eixo
tenho a imagem da
imagem

ou a imagem mesma

sobre o mesmo
eixo
ou outro qualquer
ponho uma sombra

à mesma distância mas do
outro lado
da dita sombra

outra sombra ou
a sua imagem

posso fazer o mesmo
com um pensamento
uma memória
um grito
um soluço
um espirro
um cabelo

haverá sempre uma
réplica
ou a coisa
mesma

assim me
construo em
todas as
direcções

m.f.s.

sábado, janeiro 06, 2007

Vestígios

chamas

ai que me deixaste no gelo
no gelo tu me deixaste

ai que me deixaste em chamas
em chamas tu me afogaste

como o pássaro que foge
das asas da sua amada

tu me puseste encerrada
na gaiola encerrada

corro pelo vento leste
corro e não vejo descanso

neste andar de som agreste
procuro teu olhar manso

m.f.s.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

um passo

um passo
hesitante
um olhar de
revés

uma ânsia
escondida
uma máscara de
cera virgem

sobre um rosto
torturado

uns cabelos que
brilham
como prata areada

um espanto ao
espelho

uma fuga do
real
imaginado

um encolher de
corpo
na gruta da
invisibilidade

eu

m.f.s.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Outra variação sobre o tempo

quero o último toque de magia
do agonizante duende
que me invade as noites tenebrosas
de uivantes lobos

desejava um último sabor a vagas harmonias musicais
uma linha correndo pelos pântanos de Baskervilles

o cão que sorri desdentado de raiva

o saltitar das anémonas afogadas

já agora um "o tempo hoje está magnífico"


m.f.s.

Variações sobre o tempo

quero mais um olhar abstracto sobre a
revolução interna
que fulmine as miragens no deserto

uma fumarola nas ruas de Nova Iorque
sobretudo na Broadway

se puder ser um adejar de mão silhuetada
ficaria comovida

já agora um "o tempo hoje está magnífico"


m.f.s.

Lisette Nisa



Pormenor de uma aguarela de Lisette Nisa

"O tempo hoje está magnífico"

quero mais um sorriso
que cheire aos pinheiros da beira mar

um farrapo de nuvem à minha janela
também agradecia

se puder ser um som de coração a bater
mais grata ficava

já agora um "o tempo hoje está magnífico"


m.f.s.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Ando arredada dos escritos

numa fina fímbria de azul celeste
rasgadas as nuvens

rasgados os fados
a tormenta arrasta as neblinas

arranca os cabelos virginais dos
anjos ainda não caídos


no pecado do amor


m.f.s.


Ando sem a menor inspiração...tant pis.

David Bowie







No canal FoxLife, David Bowie. Belíssimo, criativo, frágil, forte, único... comercial,
artista