domingo, dezembro 31, 2006

halo

aquele halo que se desenha devagar
contém um rosto torturado
entre fumos de cigarros e
lareiras meio apagadas

m.f.s.

sábado, dezembro 30, 2006

Bom 2007

sexta-feira, dezembro 29, 2006

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Escritos esfarrapados

escrevo-te do passado
quando ainda éramos
hipóteses de destinos

as minhas mãos agarram-se
às palavras em projecto
ao dicionário por inventar

sobre o papel de nuvens
traçam alegorias
ensaiam trajectos sinuosos
arrepenham-se impotentes

estou à beira da estrada
do futuro
ignorando o painel que se
estende à minha frente
onde a vida se encontra
finamente cinzelada

é-se cego no passado

m.f.s.


10-10-2005

A virtude que se perde


Escangalhou-se a virtude no encolher de ombros
do zoombie sonolento
que, frio, corre pelas alavancas subterrâneas.

Tentação pantanosa nas terras de nada e tudo
pingos verdes dos olhos em cascatas fluorescentes
góticas imagens tatuadas nas virilhas dos impotentes.

Saltam as galinhas em cocoricós de terror
contra os céus de nuvens em revoltosas espirais
sugando as correntes das apatias taciturnas.

Fogem as virtudes para os limbos das ante-páras
vociferam as bocarras amaralecidas pela podridão
os olhos embranquecem de cegas e diabólicas visões.


m.f.s.


16-07-2005

falta-me o silêncio
as sombras luminosas
os pensamentos voláteis

falta-me o ramo de glicínias
sobre o muro do jardim
os tons suaves dos liláses
o aroma de veludo

falta-me a tempestade
sobre o mar escurecido
os trovões e relâmpagos
as chuvas furiosas

falto-me eu em tempos
de nunca mais
eu em tempos de sempre
eu em tempos de porquê

falto-me eu
aqui
em tempos de
ser

m.f.s.


graves borboletas se deitam no espanto
ouvem nas gotas da chuva um suave canto

loucas libelinhas levitam nos pântanos
bebem a água turva dos terrosos cântaros

meninas-aves gorjeiam nas tardes trovejantes
enfeitam os cabelos de aquosos diamantes

os olhos sem rosto velados de brumas
ganham brilhos de vidro nascido de espumas

m.f.s.


02-07-2005

recados para uns olhos mortiços
encastoados em esconderijos de mármore
sobre o palor dos rostos gregos decepados

nas paisagens transparentes das memórias colectivas
os brilhos dos agapantos azulados
de múltiplas e elegantes corolas
balançam-se nas brisas quentes
de antes da tempestade

os olhos reabrem-se em verdes de primavera
iluminam a pedra circundante
atingem corações ressuscitados
clamam pelas suas visões seculares

os recados chegam despedaçados
em romances de cordel
recobrem as camadas de ar rarefeito
das estratosferas agonizantes

seguem o rasto dos meteoritos incandescentes


m.f.s.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

presque morte

estou presque morte à beira do lago imenso
tranquilo
de vidro feito

as aves navegam como caravelas
de curvas velas brancas
arrastando a poalha
do vidro lacustre

o violino esfrangalha-me a alma
nas suas volutas de sons plangentes

a cigana cantarola em longos gorgeios
as notas arábicas das estepes

e longe de não sei onde
um odor a ervas cortadas
envolve-me os cabelos

julgo chegado o tempo de partir
a cavalo no unicórnio
que me destinaram


m.f.s.

caíam

já sangravam os céus e eu caía
eu caía

abriam-se rochas de majestosa rudeza
e eu caía

as asas dos ventos aplanavam os campos
os horizontes fugiam

a paisagem contorcia-se
reflectida no meu corpo
que caía

as fontes gritavam em golfadas vermelhas
que sobre mim caíam

que sobre mim caíam

m.f.s.

terça-feira, dezembro 26, 2006

água

água

água

sangue


m.f.s.





na neve deitas o teu rosto cercado de sombras
abres os olhos que embranquecem na luz da madrugada
seguras na mão arroxeada o róseo jasmim
o seu perfume que em tempos alagou a tua rua
os écrans da tua vida explodem freneticamente
a luz no outro lado do túnel é negra como desejavas


m.f.s.
tenho uma pedra sangrenta na caixa de todas as dores

o fogo queima-me os alicerces pejados
de estatuetas sumérias

a profecia está lá gravada em plaquetas de argila

diz darás o teu nome à epopeia dos nado-mortos


m.f.s.

búzio

a nota sibilante
do búzio sonoro

um amor que ressoa
nos labirintos

deixa que morra
o som

permite
que o amor seja

que o destino
se levante

m.f.s.

fio

um fio
um longo fio de ariadne

um herói
um amor de espelho

um amor
reflectido nos olhos

nos olhos
espelhados da amante

da amante
que se esvai como ofélia

ofélia
que voga entre as flores

as flores
da sua noite de negra luz

luz que
se enternece em lábios

em lábios
que pintam sorrisos

sorrisos
que soam a lágrimas

lágrimas
do meu amor que se fina

fio
um longo fio que se parte


m.f.s.

segunda-feira, dezembro 25, 2006

às 24 horas, quase

coração encharcado pela aragem
das montanhas

vem coração ensimesmado
ergue-te

segura esta réstea de luz
caída no teu colo

bate coração
bate coração

m.f.s.

domingo, dezembro 24, 2006

01-01-2005

não precisava de correr as acácias
nas ruas da madrugada

de olhos vendados pelas turbas
do alvorecer
as mãos tinham fechado as cortinas
sobre as brumas dos penhascos

gotas de ondas alterosas
de espumas mutantes
humedeciam os espaços
adornados de feéricas luzes
em close-up

rápidos
os pés saltaram todos os
obstáculos
imaginados
contornaram ainda as acácias
fortemente amarelas
fortemente perfumadas
voltaram às madrugadas
sem cortinas

e pararam nos penhascos
sobranceiros às ondas
em lutas fragorosas
contra os rochedos
e as negras areias
entre os calhaus

m.f.s.
Os escritos aparecem todos alterados na forma, ainda não descobri como modificá-los, não sei muito disto. Continuarei a tentar, entretanto, perdem muito do seu sentido da maneira como se apresentam...Peço desculpa.

sábado, dezembro 23, 2006

Boas Festas

Centauro- 29-11-2005

o centauro quer regressar às nuvens,
aos braços de sua mãe Nefele


as últimas memórias que tem do paraíso
estão embrulhadas em cheiro da mãe
em carinho da mãe quando lhe limpava os cascos
desembaraçaava a crespa cabeleira
punha a luzir o pelo raso
alisava a cauda longa e irrequieta


o centauro procura na sua ninfa os odores da infância
e quando atrás dela corre pelos bosques
espera o milagre da transformação
da ágil silhueta num corpo maternal descido do seu reino
para o salvar de si próprio


a ninfa deleita-se com a sua própria imagem de leveza
virgem pagã em correrias alegres nos bosques humedecidos
e foge

foge do centauro
que não desiste
e sobre as árvores lança a tempestade
relâmpagos que racham os verdes
trovões que ecoam na chuva apressada e densa
rugidos de animal em fúria
esquecido da sua humana metade

m.f.s.

Todas

todas as mortes nos sobejam à beira da ruptura
todos os vivos se diluem nos paineis do tempo


o grande cenário do intemporal rompe-se
nas nossas caras
deixando rastos de animais viscosos
com brilhos de gelatina

faz-se a mistela do presente eterno com os universos
em debandada
e as rotas sob o navegar dos nossos bateis
tornam-se rochas inavegáveis
parceiras do desafinar de pianos dolorosamente
absortos

m.f.s

Cetins negros

O sonho da mulher a cores

Ao deitar-se
em lençois de cetim negro.
sonha-se de cabelo branco
em tranças despenteadas,
leve camisa de rendas de bilros,
incómoda mas de grande efeito
num leito octogonal erguendo-se
no meio de um vasto quarto
de soalho incolor envernizado.

O baldaquino com cortinas
de tules esvoaçantes,
povoadas de pássaros de vidro,
terão umas colunas em
cristal da Boémia,

gravado com galáxias
da fronteira do universo.

A mulher a cores imagina-se
docemente encostada nas almofadas
de seda transparente,

as mãos cruzadas sobre o ventre,
um terço de pérolas negras e cruz de rubi
enrolado nos dedos gélidos.

A mulher cerra os olhos de esmeralda
deixando ver a sombra lilás sobre as pálpebras.

Pela janela aberta sai voando com asas novas
de penas douradas.


m.f.s.

Candeeiros

06-05-2005

a mão que se abre e recebe um espinho enfeitado de rosas
sangra docemente sobre a cama isolada no meio do quarto
a janela freme de luzes e cortinas com brisas e sonhos

o dourado da atmosfera pinta as asas das borboletas em busca do pólen
construtoras de almas irisadas e voláteis num cenário vazio
o branco espalha-se e apaga o magní­fico sonho bruxuleante

a mão ergue-se num gesto lento segura uma pétala esmaga-a
entre os dedos mistura o sangue da flor com o seu vermelho
a borboleta procura o pólen na nova flor

recem-nascida

m.f.s.

quinta-feira, dezembro 21, 2006




Natal

Natal à porta e eu com a minha filha lá longe...

quinta-feira, dezembro 14, 2006

"Gracinhas" com a digital

Logo de manhã varri o quintal havia uns milímetros
de altura daquele pó amarelo pesado que não deixa
as plantas respirarem
sacudi alguns ramos da arvorezinha mas
não consegui limpar grande coisa
ao lado há uma outra arvorezinha bastante mais
pequena e cuja semente deve ter sido trazida
pelo vento
ao sacudir o pó arranquei-lhe um ramo
É muito frágil e já tem as folhas de cor esquisita
também pode ser da queda sasonal das folhas
o meu jasmineiro que tem tido dificuldade em se
adaptar ao quintal e que para conseguir estender-se
se tem agarrado à arvorezinha maior
parece que vai desanimar com esta poeira
enquanto varria o quintal a gata andava de um lado
para outro cheirando tudo
e depois entrou em casa deixando um vestígio de
patas almofadadas por todo o lado
amanhã lá vou ter que varrer outra vez o felizmente
micro quintal e todos os dias será assim até que os
operários acabem esta obra
nem quero pensar

quarta-feira, dezembro 13, 2006

As obras na casa ao lado enchem-me o quintal de pó amarelo
e as folhas ficam pesadas com a cobertura
parecem tristes talvez resignadas um pouco
fico revoltada
a arvorezinha demorou uns anos a ficar altaneira
e agora se calhar fica doente para sempre


a hera é mais resistente mas vão picar toda a parede onde ela
se agarra e lá lhe cortarão braços e pernas

esta era a minha árvore


já não terei tempo de ver crescer outra arvorezinha
filha já tenho
só me faltava escrever um livro
escrevo em blogues que alguns lêem poucos
sobretudo o que é da minha lavra


pronto nunca serei um homem
a tal história do livro filho e árvore era para
se ser um homem
em vez de filho tenho filha em vez de livro
tenho blogues

e sou mulher

a vida é muito injusta para as mulheres

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Gostos

Hoje enviaram-me esta mensagem para o FlickrMail:

Thank you very much for visiting my stream and your very kind words !

You have a great stream yourself, also your art pictures.

It is strange to see such good and many pictures with so little comments, they really deserve more attention !

take care

Michel

Foi um pequeno consolo.
Respondi-lhe que era difícil gostarem das minhas pinturas ( e, já agora, também das gravuras que é o que faço mais presentemente), mas que não me importava com isso, pois pinto de acordo com o que sou.
E é verdade.
Contudo há quem goste, por vezes muito, dos meus trabalhos.
Na Estampa de Madrid o artista espanhol que fez um workshop em que participei, disse gostar muito de duas das minhas gravuras e que não estava a mentir. Como ele não ganhava nada se o fizésse, acreditei, tanto mais que não se pronunciou da mesma maneira perante outros trabalhos.
Enfim, não estou com tempo nem paciência para trabalhar para agradar. Quero ser o que não pude ser durante muito tempo: eu mesma.

domingo, dezembro 10, 2006

Jarro

jarro

Singapura



Lá de longe, entre outras, a minha filha enviou esta fotografia de Singapura. Deve ser a imagem que prevalece da cidade-estado. Mas é ilusório...

sábado, dezembro 09, 2006

agora

era um coração de vento estilhaçado nas
fronteiras
os caminhos atulhados de vidas passadas
com rastos de ternuras mal contidas
e mal compreendidas

as fronteiras contraiam-se no
espaço recolhido das ninharias pungentes

como era possí­vel tanto restolho nas
faces esbranquiçadas
com os braços recobertos das
heras vorazes de verdes e de seivas

como seria um campo de neves sem
cristais
respirarações acauteladas
pelo pavor da entropia
as ervas queimadas de frio
um coraçãoo esvaziado de êxtase

de luzes com centelhas
de diamantes

m.f.s.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

não chove

a roupa está quase toda seca há folhas molhadas no chão do quintal vou ter de sair dia de aniversário tive sonhos agitados que esqueci vou tirar fotografias pode ser que fotografe algum fantasma perdido a memória na televisão é de 1988 e trata de comboios e outros meios de transporte reconheçoo a voz do descritor mas não sei quem é ele que acaba de dizer que o tempo não podia esperar pois não vou embora do antro onde se resguarda o velho computador

Árvore

noite noite

a loucura por habitar abre-me os portões do seu largo condomínio oferece-me a segurança do sossego vigiado põe persianas de mica nas frestas dos laranjais ao longe repicando as suas cores em redondas formas de perfumes brancos como resistir a tanta loucura por habitar

quinta-feira, dezembro 07, 2006

candelabros

candelabros


candelabros minha flor de laranjeira
sussurrava o sussurrante ao ouvido esquecido

candelabros ofuscantes na paisagem futurista dos teus sonhos
entre leitos alvos espalhados na planí­cie

luzes incolores nos olhos das crianças adormecidas
candelabros meu amor de fim de mundo


m.f.s.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

De hoje

a aragem que me
levanta os
cabelos
enegrece a
cor dos olhos dos
pássaros de passagem
pinta como
uma trincha a
mancha vermelha dos
enigmas

cruza as
brisas marítimas que
se engalfinham rente às
espumas enluaradas
das praias escondidas
cheias de pérolas
perdidas

a aragem seca a
água que
molhara o rosto
em contra-luz
na paisagem
esboçada no
bloco de
desenhos

m.f.s.

06-12-06

talvez haja
uma açucena
pendurada na
minha porta
que afasta os
malabarismos dos
incógnitos
espreitadores das
noites de
candeeiros apagados
rajadas escuras
pirilampos
afogados nos
verdes fosforescentes
das suas lanternas

talvez o perfume da
flor entonteça os
enamorados
debruçados nos
parapeitos
das pontes em
suspensão

talvez a
açucena seja um
espanta-espí­ritos
vigilante
uma sombra
acabada de
chegar
à noite dos
morcegos

m.f.s.

INSIGNIFICÂNCIAS





terça-feira, dezembro 05, 2006

segunda-feira, dezembro 04, 2006

meia-estação

meia-estação

segue-se a boca desmedida da noite sem luzes
ao rugir gargalhante das sombras bailarinas
sobre os muros mutilados dos castelos

sobram as mesquinhas agonias dos infelizes
as gotas remanescentes dos olhos subversivos
um revoltear de folhas outonais
na paisagem incandescente

os vinhos envelhecem deitados nos côncavos leitos de carvalho
o pó inventa desertos cinzentos sobre as garrafas em descanso
habitantes de mundos soterrados
aligeiram o passo cheiram os odores dos apetecí­veis festins

Águas arrefecidas pressagiam o endurecer das atmosferas
após os fins próximos
da meia-estação

mfs

2005

inúteis os
silêncios dos
corpos abandonados
nas clareiras das
florestas sem
pássaros
inúteis as vozes dos
homens torturados
algures em antros de
uma só luz

inúteis as
condolências após a
morte dos
pardais
não há asas que
cheguem para o ressoar das
músicas interditas

corridas todas as
cortinas restam os
ziguezagues dos
insectos

sobre a cabeça dos
condenados
inutilmente
calados nos
corredores da
morte asséptica

m.f.s.

Escrito

Hoje sinto-me ansiosa pelo fim de mim.
Estou cansada de existir,
olho-me e já não sou eu,

não sei porque persisto em respirar.

Conseguirei deixar de pensar,
lucidamente?

Num dia digo, não penso mais,
e já está,
entro no nirvana da não existência.

Aquele corpo ali é uma coisa

Foi um fardo durante demasiado tempo
Suportá-lo foi o meu castigo
por ser matéria

Agora
que abdiquei da existência
através do pensamento
vou esvaziar este fardo
de mim
vou poder não pensar

m.f.s.




Raízes desenraizadas

Escrito

há uma cor mansa à minha porta
neste entardecer de fim de era

silhuetas de asas longas

v a g a r o s a s

silenciosas

varrem o vento para os
horizontes em fogo

pégaso espreita entre as
nuvens escassas

sobre estes campos
restos de
sons abandonados no
regaço
das plantas ressequidas
sobre si deitadas

farrapos de luzes ondeiam
presos aos ramos implorantes
das árvores sem folhas

m.f.s.

Escrito

eu sou aquela rapariga morta
numa tarde de abril
de sois rebentando em sonoras luzes

de gotas transparentes em bailados de vento

sou aquela mulher assassinada pela espada
de uma dor sem fim

aquela criança de olhos baços
em silêncio atónito
sou eu

aquele homem torturado por pensar
quase sem rosto
é a minha imagem

tenho a alma à mostra como
uma asa que se desdobra antes do voo
e nela se esgotam todas as brisas

num gesto alargo a comunhão
aos que se desconhecem
aos que não sabem de ninguém
àqueles cujo amor fenece à nascença
aos invisíveis

a todos os que não deslocam o ar
na sua passagem
não atraem o olhar dos imaginários deuses
não sabem que são irrepetíveis

aos que ignoram a indescritível beleza
que possuem
e pela qual são possuídos
aos que se julgam mortos
sob qualquer céu do universo

eu sou todos eles

m.f.s.


Escrito

estorvavam os voos dos abutres
empurravam os muros decepados
estendiam os véus sobre as colinas
caíam nos vales encharcados

morriam como moscas desmaiadas
os olhos mil vezes facetados
asas de nácar reluzentes

m.f.s.

A sombra do luar



e nos teus olhos escondem-se
rios
salgados de peixes
em sinuosas artimanhas
a selva alaga-te o corpo de
terra feito
que para ela voltará
crescem-te voláteis plumas nas
solas dos pés

voas como Mercúrio

Vénus não te alcança e
Aquiles desistiu do
teu cavalo de Tróia

os mares entregam-te a Neptuno e
os tritões rasgam o
teu peito de anjo
Eolo levanta-te e
envolve-te em
diáfanas brumas
os teus braços nadam nos
céus de satã

no teu rosto de Joana d´Arc as
vozes traçam rotas abissais
vestes a armadura e
cavalgas o cavalo da
tua heroína
para a luta suicida
dos que
amam
sem
salvação

m.f.s.

Escrito

corriam pelos campos encharcados
pelas chuvas de inverno mal dormidas
assistiam ao nascer das andorinhas
em ninhos

e pela invernia bolorenta
não doi para cima nem pra baixo
o gemer da nora ferrugenta
a água sonha em altos gritos
a liberdade presa
na placenta

e as noites que corriam desenfreadas
atrás dos pesadelos imanentes
sentiam o cair dos corpos lentos

encurtavam as asas depenadas
com navalhas de aço incadescente
baixavam os rostos de cristal
desenhavam sorrisos inocentes

sorriam de manhã até à noite
com pipilares de anjos feridos
tinham os cabelos mui compridos
feitos de cabedal para o açoite

eram como amigos desunidos
em praias de ágil rebentação
com amargor tocavam o coração
dos pássaros em voos estarrecidos

precisavam de longas agonias
nos leitos de ferro engalanado
fechavam os olhos às tropelias
mordiam um dedo escangalhado

m.f.s.