quinta-feira, setembro 28, 2006

agonizo nesta nuvem de sois moribundos
a leste de nenhum paraíso
roendo as cordas da traição mortífera

meu coração duplo de mim

acordam as vozes os suspiros
relutantes das vítimas enclausuradas
nos braços dos carrascos enamorados

meu coração de arma ao peito

seguem-se os passos relutantes
dos candidatos à morte prematura
nas telas de vidro fosco

meu coração que se esbate

corro no horizonte dos felinos
salto na espuma das ondas amortecidas
visto a pele do lobo domesticado

m.f.s.


no meio espaço entre o sim e o não
violentos confrontos fazem cair o céu sobre as cidades
roubam rochas à lua que fica mais leve
a nos abandona

rapinam-se as cores com que os cegos
pintam as formas dos seus androides do costume
a turbulência das rosas em explosão
espalha perfumes como uma lata de spray
nos labirintos formigueiros

as alegres ratazanas dos charcos agoirentos
desenham mais um anel nas caudas peladas e flexíveis
cheiram afanosamente os detritos
põem mais um fulgor nos brilhantes olhos

as tranças das meninas violetas desfazem-se
em rios de auroras boreais

m.f.s.


a sombra
a sombra
o lusco-fusco
a silhueta

as planuras
as planuras
secas
amarelas

as linhas
os rasgões
a plenitude
o vazio

o branco
o grito
o gesto
o gesto

o eu
o tu
o nós
o vós

o eles
o eu
a luz
o túnel

a luz

m.f.s.


preciso de roma
de atenas
de tebas

os antigos deuses
abandoram-nos
levaram com eles
as velhas magias

ficámos órfãos do
maravilhoso
dos rituais misteriosos
das velhas crueldades

preciso de jerusalém
do fogoso david de
cabelos vermelhos
dançarino e tocador

guerreiro e
arranca-corações
amigo e traidor

faz-me falta gudea
e a sua túnica portadora
de história
hamurabi e o seu
olho por olho
assim como fizeres
assim terás

daniel ainda dialoga
com os leões
ainda se senta à entrada
da cidade

ainda nubla o futuro de
negras tintas
números estranhos
salvações impossíveis

penso em caim
torturado pelo ciúme
ganancioso na sua dor
de filho na margem

os deuses voltarão
de novo armados
de novo guerreiros
carrascos
das suas crias

m.f.s.

canção do soldado

a perfeita canção do soldado arma-se nos olhos dos escondidos
daqueles que cegam à luz do meio-dia

a perfeita canção do soldado soa a marchas de botas apertadas
enche-se de alegre patriotismo

a perfeita canção do soldado faz cair os pés de barro
dos ídolos instalados nos gabinetes

a perfeita canção do soldado soa a marcha fúnebre
com botas brilhantes e apertadas

m.f.s.

terça-feira, setembro 05, 2006

Novo bloco

não sabemos que vertigens nos esperam
atrás das portas fechadas das casas encantadas

sabemos que as imagens dansam como violentos
vendavais

a excelência das transparências nas
janelas dos arranha-céus
o reflexo das luzes dos néons
publicitários

os mundos pressentidos nas ruas
vielas
becos
auto-estradas
sem vigilância

isso sabemos


m.f.s.



de que sorriem as noites claras de janeiro
de cintilante frio nos céus de lua plena

de que se queixam as noites de agosto
rasgadas pelas trajectórias
de suicidas meteoritos

de que nos lembramos quando olhamos
as nossas veias

m.f.s.



correm os cavaleiros pelas estepes
levam a tiracolo os corações roubados
em noites de trovas e fingimento

exibem nas suas armaduras os cabelos cortados
às damas que por eles se diluiram
em lágrimas tépidas
inúteis
sem retorno

m.f.s.


longas caminhadas nos esperam
longe do útero materno
à saida dos corredores abismais
onde a nossa alma permanece
todavia

não se levantam as gaivotas à nossa passagem
fugaz caminhar sem sombra sem cor
sem luz
sem eco

sem sandálias percorremos a Via �pia
não podemos perguntar "Quo vadis"
sem o dom da palavra transformada
sem o som dos clarins dos mundos
em espirais de contentamento

não há descanso na busca


m.f.s.



a realidade que nos tolhe os passos a cada manhã
que nos acorda dos oníricos pensamentos
que nos massacra nas imagens a preto e cinzento
que nos engole como voraz Pantagruel

as sementes que germinam vertiginosamente
nos campos áridos das planícies do sul
as résteas de aragens perfumadas de
estrelas em implosão

os vácuos que se digladiam como touros e toureiros
na decrépita arena dos tempos em caótica dança
mãos que se prendem ao rebordo do invisível
e deixam cair as luzes dos horizontes
nos abismos

a certeza que nos prende
desenhada nas páginas
vazias do infinito

m.f.s.