domingo, dezembro 31, 2006

halo

aquele halo que se desenha devagar
contém um rosto torturado
entre fumos de cigarros e
lareiras meio apagadas

m.f.s.

sábado, dezembro 30, 2006

Bom 2007

sexta-feira, dezembro 29, 2006

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Escritos esfarrapados

escrevo-te do passado
quando ainda éramos
hipóteses de destinos

as minhas mãos agarram-se
às palavras em projecto
ao dicionário por inventar

sobre o papel de nuvens
traçam alegorias
ensaiam trajectos sinuosos
arrepenham-se impotentes

estou à beira da estrada
do futuro
ignorando o painel que se
estende à minha frente
onde a vida se encontra
finamente cinzelada

é-se cego no passado

m.f.s.


10-10-2005

A virtude que se perde


Escangalhou-se a virtude no encolher de ombros
do zoombie sonolento
que, frio, corre pelas alavancas subterrâneas.

Tentação pantanosa nas terras de nada e tudo
pingos verdes dos olhos em cascatas fluorescentes
góticas imagens tatuadas nas virilhas dos impotentes.

Saltam as galinhas em cocoricós de terror
contra os céus de nuvens em revoltosas espirais
sugando as correntes das apatias taciturnas.

Fogem as virtudes para os limbos das ante-páras
vociferam as bocarras amaralecidas pela podridão
os olhos embranquecem de cegas e diabólicas visões.


m.f.s.


16-07-2005

falta-me o silêncio
as sombras luminosas
os pensamentos voláteis

falta-me o ramo de glicínias
sobre o muro do jardim
os tons suaves dos liláses
o aroma de veludo

falta-me a tempestade
sobre o mar escurecido
os trovões e relâmpagos
as chuvas furiosas

falto-me eu em tempos
de nunca mais
eu em tempos de sempre
eu em tempos de porquê

falto-me eu
aqui
em tempos de
ser

m.f.s.


graves borboletas se deitam no espanto
ouvem nas gotas da chuva um suave canto

loucas libelinhas levitam nos pântanos
bebem a água turva dos terrosos cântaros

meninas-aves gorjeiam nas tardes trovejantes
enfeitam os cabelos de aquosos diamantes

os olhos sem rosto velados de brumas
ganham brilhos de vidro nascido de espumas

m.f.s.


02-07-2005

recados para uns olhos mortiços
encastoados em esconderijos de mármore
sobre o palor dos rostos gregos decepados

nas paisagens transparentes das memórias colectivas
os brilhos dos agapantos azulados
de múltiplas e elegantes corolas
balançam-se nas brisas quentes
de antes da tempestade

os olhos reabrem-se em verdes de primavera
iluminam a pedra circundante
atingem corações ressuscitados
clamam pelas suas visões seculares

os recados chegam despedaçados
em romances de cordel
recobrem as camadas de ar rarefeito
das estratosferas agonizantes

seguem o rasto dos meteoritos incandescentes


m.f.s.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

presque morte

estou presque morte à beira do lago imenso
tranquilo
de vidro feito

as aves navegam como caravelas
de curvas velas brancas
arrastando a poalha
do vidro lacustre

o violino esfrangalha-me a alma
nas suas volutas de sons plangentes

a cigana cantarola em longos gorgeios
as notas arábicas das estepes

e longe de não sei onde
um odor a ervas cortadas
envolve-me os cabelos

julgo chegado o tempo de partir
a cavalo no unicórnio
que me destinaram


m.f.s.

caíam

já sangravam os céus e eu caía
eu caía

abriam-se rochas de majestosa rudeza
e eu caía

as asas dos ventos aplanavam os campos
os horizontes fugiam

a paisagem contorcia-se
reflectida no meu corpo
que caía

as fontes gritavam em golfadas vermelhas
que sobre mim caíam

que sobre mim caíam

m.f.s.

terça-feira, dezembro 26, 2006

água

água

água

sangue


m.f.s.





na neve deitas o teu rosto cercado de sombras
abres os olhos que embranquecem na luz da madrugada
seguras na mão arroxeada o róseo jasmim
o seu perfume que em tempos alagou a tua rua
os écrans da tua vida explodem freneticamente
a luz no outro lado do túnel é negra como desejavas


m.f.s.
tenho uma pedra sangrenta na caixa de todas as dores

o fogo queima-me os alicerces pejados
de estatuetas sumérias

a profecia está lá gravada em plaquetas de argila

diz darás o teu nome à epopeia dos nado-mortos


m.f.s.

búzio

a nota sibilante
do búzio sonoro

um amor que ressoa
nos labirintos

deixa que morra
o som

permite
que o amor seja

que o destino
se levante

m.f.s.

fio

um fio
um longo fio de ariadne

um herói
um amor de espelho

um amor
reflectido nos olhos

nos olhos
espelhados da amante

da amante
que se esvai como ofélia

ofélia
que voga entre as flores

as flores
da sua noite de negra luz

luz que
se enternece em lábios

em lábios
que pintam sorrisos

sorrisos
que soam a lágrimas

lágrimas
do meu amor que se fina

fio
um longo fio que se parte


m.f.s.

segunda-feira, dezembro 25, 2006

às 24 horas, quase

coração encharcado pela aragem
das montanhas

vem coração ensimesmado
ergue-te

segura esta réstea de luz
caída no teu colo

bate coração
bate coração

m.f.s.

domingo, dezembro 24, 2006

01-01-2005

não precisava de correr as acácias
nas ruas da madrugada

de olhos vendados pelas turbas
do alvorecer
as mãos tinham fechado as cortinas
sobre as brumas dos penhascos

gotas de ondas alterosas
de espumas mutantes
humedeciam os espaços
adornados de feéricas luzes
em close-up

rápidos
os pés saltaram todos os
obstáculos
imaginados
contornaram ainda as acácias
fortemente amarelas
fortemente perfumadas
voltaram às madrugadas
sem cortinas

e pararam nos penhascos
sobranceiros às ondas
em lutas fragorosas
contra os rochedos
e as negras areias
entre os calhaus

m.f.s.
Os escritos aparecem todos alterados na forma, ainda não descobri como modificá-los, não sei muito disto. Continuarei a tentar, entretanto, perdem muito do seu sentido da maneira como se apresentam...Peço desculpa.

sábado, dezembro 23, 2006

Boas Festas

Centauro- 29-11-2005

o centauro quer regressar às nuvens,
aos braços de sua mãe Nefele


as últimas memórias que tem do paraíso
estão embrulhadas em cheiro da mãe
em carinho da mãe quando lhe limpava os cascos
desembaraçaava a crespa cabeleira
punha a luzir o pelo raso
alisava a cauda longa e irrequieta


o centauro procura na sua ninfa os odores da infância
e quando atrás dela corre pelos bosques
espera o milagre da transformação
da ágil silhueta num corpo maternal descido do seu reino
para o salvar de si próprio


a ninfa deleita-se com a sua própria imagem de leveza
virgem pagã em correrias alegres nos bosques humedecidos
e foge

foge do centauro
que não desiste
e sobre as árvores lança a tempestade
relâmpagos que racham os verdes
trovões que ecoam na chuva apressada e densa
rugidos de animal em fúria
esquecido da sua humana metade

m.f.s.

Todas

todas as mortes nos sobejam à beira da ruptura
todos os vivos se diluem nos paineis do tempo


o grande cenário do intemporal rompe-se
nas nossas caras
deixando rastos de animais viscosos
com brilhos de gelatina

faz-se a mistela do presente eterno com os universos
em debandada
e as rotas sob o navegar dos nossos bateis
tornam-se rochas inavegáveis
parceiras do desafinar de pianos dolorosamente
absortos

m.f.s

Cetins negros

O sonho da mulher a cores

Ao deitar-se
em lençois de cetim negro.
sonha-se de cabelo branco
em tranças despenteadas,
leve camisa de rendas de bilros,
incómoda mas de grande efeito
num leito octogonal erguendo-se
no meio de um vasto quarto
de soalho incolor envernizado.

O baldaquino com cortinas
de tules esvoaçantes,
povoadas de pássaros de vidro,
terão umas colunas em
cristal da Boémia,

gravado com galáxias
da fronteira do universo.

A mulher a cores imagina-se
docemente encostada nas almofadas
de seda transparente,

as mãos cruzadas sobre o ventre,
um terço de pérolas negras e cruz de rubi
enrolado nos dedos gélidos.

A mulher cerra os olhos de esmeralda
deixando ver a sombra lilás sobre as pálpebras.

Pela janela aberta sai voando com asas novas
de penas douradas.


m.f.s.

Candeeiros

06-05-2005

a mão que se abre e recebe um espinho enfeitado de rosas
sangra docemente sobre a cama isolada no meio do quarto
a janela freme de luzes e cortinas com brisas e sonhos

o dourado da atmosfera pinta as asas das borboletas em busca do pólen
construtoras de almas irisadas e voláteis num cenário vazio
o branco espalha-se e apaga o magní­fico sonho bruxuleante

a mão ergue-se num gesto lento segura uma pétala esmaga-a
entre os dedos mistura o sangue da flor com o seu vermelho
a borboleta procura o pólen na nova flor

recem-nascida

m.f.s.

quinta-feira, dezembro 21, 2006




Natal

Natal à porta e eu com a minha filha lá longe...

quinta-feira, dezembro 14, 2006

"Gracinhas" com a digital

Logo de manhã varri o quintal havia uns milímetros
de altura daquele pó amarelo pesado que não deixa
as plantas respirarem
sacudi alguns ramos da arvorezinha mas
não consegui limpar grande coisa
ao lado há uma outra arvorezinha bastante mais
pequena e cuja semente deve ter sido trazida
pelo vento
ao sacudir o pó arranquei-lhe um ramo
É muito frágil e já tem as folhas de cor esquisita
também pode ser da queda sasonal das folhas
o meu jasmineiro que tem tido dificuldade em se
adaptar ao quintal e que para conseguir estender-se
se tem agarrado à arvorezinha maior
parece que vai desanimar com esta poeira
enquanto varria o quintal a gata andava de um lado
para outro cheirando tudo
e depois entrou em casa deixando um vestígio de
patas almofadadas por todo o lado
amanhã lá vou ter que varrer outra vez o felizmente
micro quintal e todos os dias será assim até que os
operários acabem esta obra
nem quero pensar

quarta-feira, dezembro 13, 2006

As obras na casa ao lado enchem-me o quintal de pó amarelo
e as folhas ficam pesadas com a cobertura
parecem tristes talvez resignadas um pouco
fico revoltada
a arvorezinha demorou uns anos a ficar altaneira
e agora se calhar fica doente para sempre


a hera é mais resistente mas vão picar toda a parede onde ela
se agarra e lá lhe cortarão braços e pernas

esta era a minha árvore


já não terei tempo de ver crescer outra arvorezinha
filha já tenho
só me faltava escrever um livro
escrevo em blogues que alguns lêem poucos
sobretudo o que é da minha lavra


pronto nunca serei um homem
a tal história do livro filho e árvore era para
se ser um homem
em vez de filho tenho filha em vez de livro
tenho blogues

e sou mulher

a vida é muito injusta para as mulheres

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Gostos

Hoje enviaram-me esta mensagem para o FlickrMail:

Thank you very much for visiting my stream and your very kind words !

You have a great stream yourself, also your art pictures.

It is strange to see such good and many pictures with so little comments, they really deserve more attention !

take care

Michel

Foi um pequeno consolo.
Respondi-lhe que era difícil gostarem das minhas pinturas ( e, já agora, também das gravuras que é o que faço mais presentemente), mas que não me importava com isso, pois pinto de acordo com o que sou.
E é verdade.
Contudo há quem goste, por vezes muito, dos meus trabalhos.
Na Estampa de Madrid o artista espanhol que fez um workshop em que participei, disse gostar muito de duas das minhas gravuras e que não estava a mentir. Como ele não ganhava nada se o fizésse, acreditei, tanto mais que não se pronunciou da mesma maneira perante outros trabalhos.
Enfim, não estou com tempo nem paciência para trabalhar para agradar. Quero ser o que não pude ser durante muito tempo: eu mesma.

domingo, dezembro 10, 2006

Jarro

jarro

Singapura



Lá de longe, entre outras, a minha filha enviou esta fotografia de Singapura. Deve ser a imagem que prevalece da cidade-estado. Mas é ilusório...

sábado, dezembro 09, 2006

agora

era um coração de vento estilhaçado nas
fronteiras
os caminhos atulhados de vidas passadas
com rastos de ternuras mal contidas
e mal compreendidas

as fronteiras contraiam-se no
espaço recolhido das ninharias pungentes

como era possí­vel tanto restolho nas
faces esbranquiçadas
com os braços recobertos das
heras vorazes de verdes e de seivas

como seria um campo de neves sem
cristais
respirarações acauteladas
pelo pavor da entropia
as ervas queimadas de frio
um coraçãoo esvaziado de êxtase

de luzes com centelhas
de diamantes

m.f.s.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

não chove

a roupa está quase toda seca há folhas molhadas no chão do quintal vou ter de sair dia de aniversário tive sonhos agitados que esqueci vou tirar fotografias pode ser que fotografe algum fantasma perdido a memória na televisão é de 1988 e trata de comboios e outros meios de transporte reconheçoo a voz do descritor mas não sei quem é ele que acaba de dizer que o tempo não podia esperar pois não vou embora do antro onde se resguarda o velho computador

Árvore

noite noite

a loucura por habitar abre-me os portões do seu largo condomínio oferece-me a segurança do sossego vigiado põe persianas de mica nas frestas dos laranjais ao longe repicando as suas cores em redondas formas de perfumes brancos como resistir a tanta loucura por habitar

quinta-feira, dezembro 07, 2006

candelabros

candelabros


candelabros minha flor de laranjeira
sussurrava o sussurrante ao ouvido esquecido

candelabros ofuscantes na paisagem futurista dos teus sonhos
entre leitos alvos espalhados na planí­cie

luzes incolores nos olhos das crianças adormecidas
candelabros meu amor de fim de mundo


m.f.s.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

De hoje

a aragem que me
levanta os
cabelos
enegrece a
cor dos olhos dos
pássaros de passagem
pinta como
uma trincha a
mancha vermelha dos
enigmas

cruza as
brisas marítimas que
se engalfinham rente às
espumas enluaradas
das praias escondidas
cheias de pérolas
perdidas

a aragem seca a
água que
molhara o rosto
em contra-luz
na paisagem
esboçada no
bloco de
desenhos

m.f.s.

06-12-06

talvez haja
uma açucena
pendurada na
minha porta
que afasta os
malabarismos dos
incógnitos
espreitadores das
noites de
candeeiros apagados
rajadas escuras
pirilampos
afogados nos
verdes fosforescentes
das suas lanternas

talvez o perfume da
flor entonteça os
enamorados
debruçados nos
parapeitos
das pontes em
suspensão

talvez a
açucena seja um
espanta-espí­ritos
vigilante
uma sombra
acabada de
chegar
à noite dos
morcegos

m.f.s.

INSIGNIFICÂNCIAS





terça-feira, dezembro 05, 2006

segunda-feira, dezembro 04, 2006

meia-estação

meia-estação

segue-se a boca desmedida da noite sem luzes
ao rugir gargalhante das sombras bailarinas
sobre os muros mutilados dos castelos

sobram as mesquinhas agonias dos infelizes
as gotas remanescentes dos olhos subversivos
um revoltear de folhas outonais
na paisagem incandescente

os vinhos envelhecem deitados nos côncavos leitos de carvalho
o pó inventa desertos cinzentos sobre as garrafas em descanso
habitantes de mundos soterrados
aligeiram o passo cheiram os odores dos apetecí­veis festins

Águas arrefecidas pressagiam o endurecer das atmosferas
após os fins próximos
da meia-estação

mfs

2005

inúteis os
silêncios dos
corpos abandonados
nas clareiras das
florestas sem
pássaros
inúteis as vozes dos
homens torturados
algures em antros de
uma só luz

inúteis as
condolências após a
morte dos
pardais
não há asas que
cheguem para o ressoar das
músicas interditas

corridas todas as
cortinas restam os
ziguezagues dos
insectos

sobre a cabeça dos
condenados
inutilmente
calados nos
corredores da
morte asséptica

m.f.s.

Escrito

Hoje sinto-me ansiosa pelo fim de mim.
Estou cansada de existir,
olho-me e já não sou eu,

não sei porque persisto em respirar.

Conseguirei deixar de pensar,
lucidamente?

Num dia digo, não penso mais,
e já está,
entro no nirvana da não existência.

Aquele corpo ali é uma coisa

Foi um fardo durante demasiado tempo
Suportá-lo foi o meu castigo
por ser matéria

Agora
que abdiquei da existência
através do pensamento
vou esvaziar este fardo
de mim
vou poder não pensar

m.f.s.




Raízes desenraizadas

Escrito

há uma cor mansa à minha porta
neste entardecer de fim de era

silhuetas de asas longas

v a g a r o s a s

silenciosas

varrem o vento para os
horizontes em fogo

pégaso espreita entre as
nuvens escassas

sobre estes campos
restos de
sons abandonados no
regaço
das plantas ressequidas
sobre si deitadas

farrapos de luzes ondeiam
presos aos ramos implorantes
das árvores sem folhas

m.f.s.

Escrito

eu sou aquela rapariga morta
numa tarde de abril
de sois rebentando em sonoras luzes

de gotas transparentes em bailados de vento

sou aquela mulher assassinada pela espada
de uma dor sem fim

aquela criança de olhos baços
em silêncio atónito
sou eu

aquele homem torturado por pensar
quase sem rosto
é a minha imagem

tenho a alma à mostra como
uma asa que se desdobra antes do voo
e nela se esgotam todas as brisas

num gesto alargo a comunhão
aos que se desconhecem
aos que não sabem de ninguém
àqueles cujo amor fenece à nascença
aos invisíveis

a todos os que não deslocam o ar
na sua passagem
não atraem o olhar dos imaginários deuses
não sabem que são irrepetíveis

aos que ignoram a indescritível beleza
que possuem
e pela qual são possuídos
aos que se julgam mortos
sob qualquer céu do universo

eu sou todos eles

m.f.s.


Escrito

estorvavam os voos dos abutres
empurravam os muros decepados
estendiam os véus sobre as colinas
caíam nos vales encharcados

morriam como moscas desmaiadas
os olhos mil vezes facetados
asas de nácar reluzentes

m.f.s.

A sombra do luar



e nos teus olhos escondem-se
rios
salgados de peixes
em sinuosas artimanhas
a selva alaga-te o corpo de
terra feito
que para ela voltará
crescem-te voláteis plumas nas
solas dos pés

voas como Mercúrio

Vénus não te alcança e
Aquiles desistiu do
teu cavalo de Tróia

os mares entregam-te a Neptuno e
os tritões rasgam o
teu peito de anjo
Eolo levanta-te e
envolve-te em
diáfanas brumas
os teus braços nadam nos
céus de satã

no teu rosto de Joana d´Arc as
vozes traçam rotas abissais
vestes a armadura e
cavalgas o cavalo da
tua heroína
para a luta suicida
dos que
amam
sem
salvação

m.f.s.

Escrito

corriam pelos campos encharcados
pelas chuvas de inverno mal dormidas
assistiam ao nascer das andorinhas
em ninhos

e pela invernia bolorenta
não doi para cima nem pra baixo
o gemer da nora ferrugenta
a água sonha em altos gritos
a liberdade presa
na placenta

e as noites que corriam desenfreadas
atrás dos pesadelos imanentes
sentiam o cair dos corpos lentos

encurtavam as asas depenadas
com navalhas de aço incadescente
baixavam os rostos de cristal
desenhavam sorrisos inocentes

sorriam de manhã até à noite
com pipilares de anjos feridos
tinham os cabelos mui compridos
feitos de cabedal para o açoite

eram como amigos desunidos
em praias de ágil rebentação
com amargor tocavam o coração
dos pássaros em voos estarrecidos

precisavam de longas agonias
nos leitos de ferro engalanado
fechavam os olhos às tropelias
mordiam um dedo escangalhado

m.f.s.

quinta-feira, novembro 30, 2006

2005

os homens que despertam cotovias
navegam em águas verdes
cor de esmeralda brasileira
usam penas de dragão à cintura
como armas de corte e perfuração
protegem os pés com tiras de vidro sintético
os olhos com gelos fluorescentes

correm como chitas nas savanas
e os cabelos ditam-lhes a velocidade
enquanto os corações cantam sons de euforia

depois partem para os locais desconhecidos
do amor expectante

m.f.s.

Sementes

2005

frequentemente cogitava no sentido de cogitar

permitia às baforadas de ideias desconjuntadas
a sua reunião no substracto do pensamento

esperava que um novo filtro as atenuasse e fizesse salientar
os seus relevos
as suas planuras
os fios das suas ruas

por vezes o manto dos desejos fazia encolher a amplitude
das estrururas cogitantes

distraía-se


m.f.s.

2002

Lugares comuns

Algures
entre um olhar de soslaio e um meio sorriso
um rosto fechado uma sombra
de raspão
um gesto fugidio
nessas zonas intermédias do lusco-fusco
das meias tintas
tons neutros
formas indecisas
inocências perversas
aí onde tudo se pressente e nada se toca
vais dizer-me que é possível
transformar o nada em tudo
construir palácios sobre areias movediças
acreditar em impossibilidades sonhadas
saborear a cor dos raios gama
banhar-se no som das tubas
Dir-me-ás que
o céu não é o limite
que mais para além um buraco
negro
no centro da galáxia
espera por nós para nos
reconstruir no universo da utopia
lá onde basta
estender um desejo
dar-lhe asas de tule
e soltá-lo nas rotas
das inomináveis certezas
que nos esperam
desde o dealbar dos tempos

Noémia Sandwoman (m.f.s.)

2004

terça-feira, novembro 28, 2006

2003

Havidas

reconhecer o fim das coisas havidas,
voltar o rosto às cortinas que caem
sobre o presente,
já passado,

abraçar o vazio deixado,
aceitar o futuro ainda não,
esquecer o rasgar das emoções,
os fugazes relâmpagos da memória,

não falar,

não falar,

deixar a cor inundar os olhos fechados
à beira dos mares invisíveis dos
nossos sonhos,
ignorar o apelo,
calar a desarmonia do dia após,

não dormir,

assim,

não dormir até que a alma
esteja limpa
do fim das coisas havidas.

m.f.s.

2004

Virava a cabeça para a direita
inclinava-a um pouco
e ficava a pensar

nuvens ventos

pós fumos luzes

sons

Tirava o robe de cetim esgarçado
e olhava o reflexo
cor de rosa no espelho

nuvens ventos pós

fumos luzes

sons

Não dormia
o chá na mesa
ao lado
o pão sem manteiga
os cabelos em movimentos pendulares

alfinetes

línguas lambendo os ombros

sons

luzes

holly night

amantes que se devoram
à mesa

fumos labaredas

ventos

levo-te para casa
talvez haja
uma guerra
ainda não me fazes falta
abro o coração
para que se esvazie

ondas

luzes

pós

miragens trémulas
nos horizontes amarelos
os ciprestes
palácios das tempestades

fogos

nuvens

nevoeiros

ventos

o deserto é o mar
interior
feito de ouro velho
e relâmpagos

m.f.s.

2005

artefactos luzidios no campo de malmequeres
transportam consigo o tigre sem dono
o magnífico animal que nos fita expectante

caminhando para nós vem
silencioso

m.f.s.


os que dormem devem acordar quando a mulher lavar os vidros
das gaiolas

devem os filhos lavar as mãos para tratar das aves

deve o marido lavar os recipientes da comida e da água

devem as aves permitir que tratem delas sem fugir de suas prisões

e cantar

não devem as aves agitar-se quando as gaiolas são postas na varanda

devem as crianças animar as aves tocando xilofone e harmónicas

deve a mãe recolher as gaiolas ao entardecer assegurando-se de que as aves
estão satisfeitas

devem as aves mostrar a sua gratidão por tanto desvelo
desistindo de tentar escapar-se para o mudo terrível

lá fora

m.f.s.


quero naufragar à entrada do porto de abrigo
quando as ondas invadirem as estradas em tsunami enraivecido
e o meu corpo se deixar embalar na sua fatal canção

quero dar à costa no dorso de um manso tritão
vestida de algas e corais do mar vermelho
quero ter o cabelo das mortíferas sereias de Ulisses

quero dormir numa nuvem mergulhada no mar oceano

m.f.s.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Escrito



os olhos que vêem a noite nos pântanos enganadores
escolhem a melancolia como expressão
receiam os limos que prendem os corpos
aos fundos sem fundo das águas perturbadas
e perturbadoras

os olhos que trespassam as sombras fugidias
seguem os traços dos que vivem escondidos
nos corredores de terra escura
daqueles que desconhecem a luz cegante
porque são cegos

os olhos cuja cor se infiltrou nos recônditos
das trevas alcandoradas entre os céus sem estrelas
recolhem todas as imagens pintadas
por aqueles que sofrem de amor
pelo amor

m.f.s.

Escrito

escrevo em meandros
para que a minha alma
não se desvele
para que só os espíritos
condenados à vagabundagem
possam entender os meus
desenhos de silêncios
despedaçados em estilhaços
de matéria negra
caídos na voracidade
das galáxias canibais

ergo labirintos de palavras
sem entradas à vista
sem minotauros
nem ariadnes
nem qualquer herói
voador

por vezes derrubo as muralhas
amontoo os pensamentos incompletos
afasto os restos de palavras
e permito que o horizonte
nos surpreenda
no seu esplendor

m.f.s.

sábado, novembro 25, 2006

uma chuva de vozes contra
as palavras no
canto do ostracismo

um choro mudo nas costas
da donzela

os braços que se flectem como
arietes defensivos

as vozes
em névoas mutantes sobre
os campos de líquenes

o centauro que se levanta com
a ferida no flanco

a donzela corre
corre a favor do vento

tarântulas deixam rastos
de mortandade
nos entrelaçados
mais ou menos bucólicos

dos tecidos epiteliais

o vento enrola as vestes da donzela
delas faz asas incandescentes
afugenta os aracnídios

leva-a para longe do exílio
transporta a sua imagem desfeita

em águas voadoras

m.f.s.
os gémeos da lua cheia caminhavam as mãos dadas
brilhos nos fios metálicos dos cabelos

inexorável o destino calcetava-lhes os caminhos
amuralhava-lhes os céus de ventos redondos

não havia vidas fervilhantes sob os seus pés
só nos rostos de porcelana colorida

restavam vestígios de sorrisos e de lágrimas
na certeza das incertezas que lhes cobriam a alma

m.f.s.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Escritos antigos, outra vez

enrolam-se nas suas roupas incandescentes
as mãos em esgares de raiva mal guardada
lançam ódios em palavras aguçadas
rosnam como lobos esfaimados

são os descentrados nas paisagens das palavras

são os donos das certezas esfarrapadas
os imaturos da vida ociosa
os emparedados nas suas vaidades
os que se cegam nos seus orgulhos ocos

o cilindro do tempo virá imparável
esmagará as loucas impotências
traçará nos caminhos desertificados
a vergonha do nada

como o espelho vazio

m.f.s.


em cima dos ventos que arrastam as vozes delirantes
dos perdidos em si
sob a sua leve textura de enovelados remoinhos zumbidores
para lá dos limites da inocência
as catadupas de negritudes embebem as almas
em nadas fluorescentes
de anúncios de filmes americanos

os planetas desconhecidos atacam os horizontes dourados
as areias erguem-se em finos véus
envolvem os viajantes desprevenidos
enfeitam-nos de resistentes escorpiões dos desertos

as vozes extinguem-se sob os mantos de neblinas
à espera dos seres alados que as tomarão para si

m.f.s.


deixa morrer o meu corpo deitado na duna onde o vento desenha espirais
deixa que as libélulas dancem sob o fundo azul de verão
que os meus olhos ceguem com o brilho das estrelas
que a espuma mansa do mar nocturno cubra os meus pés
enregelados

que o sol ao nascer não me veja nunca mais nesta paisagem

sobre a minha campa faz nascer alegres trevos de tenro verde
e flores amarelas
como se a areia mudasse a sua natureza e os trevos
se aproveitassem disso
como se houvesse um perpétuo véu de tule bordado a prata
estendido de mim ao horizonte da lua

espera pelo meu regresso montada na brisa matinal

m.f.s.

as vozes que se espraiam na paisagem lembram a minha condição
de humana fraqueza
nas correrias dos dias iguais
nos haustos do ar rarefeito
nas altitudes dos sonhos

as vozes planeiam desfazer-me em rugas de tempos alijados
nas planuras sem fim
nas arenosas colinas
nos entardeceres vívidos das memórias
emergentes

as vozes rasgam os tecidos das ternuras avidamente guardadas
em desconhecidos recipientes
onde se vão buscar as energias
impulsionadoras da resistência à loucura
dos resquícios do amor

as vozes não podem não conseguem apagar o lado divino
que me sustem
na universalidade
da minha humana fraqueza inscrita no destino
das harmonias infinitas

as vozes submergem
mudas

m.f.s.

Gonçalo Byrne no CCB



Escritos já antigos

nas melancólicas entrelinhas das conversas inaudíveis
cabe o universo do silêncio
nos insonoros suspiros dos heróis abandonados

sangues que secam em recipientes mortos de pavores
armazenados camada sobre camada até à última instância
lonjuras que se adivinham nos desertos imaginados

m.f.s.


há rios que nos perseguem pelas ruas pelas estradas
pelas vielas
rios insidiosos que arrastam consigo as nossas temperanças
nos deixam de coração exaurido
entre os limos das dores de viver

há rios que nos limpam os destroços das tempestades
vivenciais
que nos trilham caminhos de lama
à espera do sol do deserto
rios que nos lançam em perfumadas cataratas
junto ao mar sem sargaços

há rios como mares que inundam as terras dos nossos jardins
os sobrados das nossas casas sobranceiras às praias
de fulgentes areias
rios que não nos dão o tempo de dizer adeus
às ténues nuvens do entardecer

m.f.s.


fundou uma ilha num lago montanhoso
para finalizar o tempo da passagem
rodeou-se de nuvens
espreitou a chegada dos meteoros
e compôs uns sons a que chamou
sons

tentou descobrir o padrão da formação das ondas
junto ao pequeno cais do seu exílio
e concluiu que era misterioso
o padrão comportava-se como
um alienígena destroçado pela lonjura do lar

deixou que o olhar se fechasse nas divagações outonais
e a poalha das flores ainda inexistentes
encheu-lhe o corpo de véus perfumados

m.f.s.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Gravuras

bem podes morrer no meu colo
como a criança que nasceu agora e
se embala
podes desejar que te afague os cabelos
como a mulher que ama e
te lê

conseguirei ver os teus pensamentos como néons
na abóbada escura
da noite que se impacienta
à  espera do desenlace
desta tragi-comédia

poderemos ficar estáticos deitados
no pó
como os mortos de Pompeia
antes de os roubarem
aos seus túmulos
de lava e de cinzas

o cenório vai-se esboroando e
nada mais poderemos

m.f.s.
na hora escondida dos últimos berços tilintam as campainhas
pelos campos
rosnam os lobos desesperados sem presas sem lua
sem parceiras
ricanam os corvos de ferro nos candeeiros municipais

corpos desmanchados em embates rodoviários
despejam as últimas gotas vermelhas
ouve-se o caminhar das raízes e as borboletas nocturnas
tentam furar as lâmpadas acesas

os domingos atardam-se para os encapotados
às portas eclesiásticas
nas lapelas as jovens idosas colocam selos a troco de
qualquer coisa na fenda da caixa

as castanhas soam
a pele esbranquiçada
o odor perfurante


m.f.s.

Prova final

este maná regozija os espíritos esvaziados
de sentido
por ele nos deixamos
recobrir
lavar
alimentar

desenha-se em estruturas cheias de suaves
meandros
de violentas metáforas
cravando em nós o êxtase

estende-se em espaços exclusivos
de respirações perfumadas
inventa ritmos musicais
rasgar de vidros
cintilações que cegam

por ele descobrimos os diversos paraísos
sem entraves

por ele reconhecemos que estamos vivos
nos sonhos

chamam-lhe poesia


m.f.s.

quarta-feira, novembro 22, 2006

mulheres

as mulheres redondas esperam os seus maridos

os homens solitários não têm mulheres redondas nem cúbicas

os fios de cabelos que unem os homens às mulheres resistem mais que fios de seda

arrancam as rendas dos vestidos de noivado e fogem pelas lezírias
as mulheres mal amadas

transportando em bandeira os véus brancos ora enegrecidos pela vida
de desalento e violência e as cinzas das lareiras desprotegidas

com mãos de árvores no inverno
as mulheres envelhecidas tocam cornetas de final de filme


m.f.s.

vens devagar

vens devagar como a sombra de um pássaro tranquilo
nos olhos de jade os relâmpagos de verão
na boca a beleza suave dos sorrisos dos anjos
nas mãos macias o coração de cálido rubi

vens invisível mal aflorando o solo sob os teus pés
nas tuas costas estremecem as asas que a morte te deu
adivinha-se o brilho que te define
e enebria os sedentos de todas as esperanças

m. f. s.

Sombras

num canto desarrumado da minha mente
uma sombra se esgueira
um vento se desenrola até às janelas fechadas
as poeiras inquietam-se em pequenos remoinhos
abrem-se gavetas cheias de nadas incolores

a sombra espreita sempre
por vezes afoita-se a dançar em volutas
como uma longa
tira de escuro papel
flexível
manobrada pelos ventos
de microclimas

tentei rasgar a sombra um dia
com os punhais dos meus olhos
a sombra multiplicou-se em inúmeras
partículas
irizadas
formas coloridas encheram as gavetas
ainda abertas


m.f.s.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Escritos




as laranjas cobrem-se de bolor nas fruteiras silenciadas
o pó almofada mansamente os objectos
a luz povoa-se de minúsculas partículas
os fantasmas repousam calmamente nos sofás


m.f.s.


corre o linho pelas minhas mãos de seda
despenham-se as pérolas pelos rostos inertes
não se sabe do fotão fugidio
que se divide e não divide
que está aqui e ali

as mãos desistem do desenho
dos espíritos furtivos

m.f.s.


descabelados os invernos rosnam ventanias
gelam os gestos gentis das silhuetas
embranquecem os dorsos das colinas
entram nos ossos mal protegidos

m.f.s.


gosto do silêncio povoado

povoado de subtis esfumados
o silêncio que nos ouve
e nos devolve o eco de nós
subtilmente

m.f.s.


o lavar das esperanças nas águas apressadas dos rios
em majestosos filamentos ondulados
leva consigo os pormenores que encantam
os espíritos avarentos da beleza em si escondida

m.f.s.

terça-feira, novembro 14, 2006

não há respostas milimétricas
nas urbanidades desertas

foram-se
fugiram

recolheram-se em si mesmos
os habitantes dos vazios

m.f.s.
o cabelo cansou-se empalideceu
a pele lamenta os caminhos que a percorrem
o espírito não dá por nada
liberta-se

agora sou

m.f.s.
tenho a minha alma ao colo adormecida

vou sair por aquela porta que leva aos campos amarelos
vou roubar os corvos a Van Gogh em troca
desta alma que não acorda

habitarei depois os girassois pintados
na minha parede


m.f.s.

quinta-feira, novembro 09, 2006

à superfície do fogo a respiração dos equilíbrios
a frágil ironia dos contrários os espaços cheios de vácuo
os grafismos que se soltam dos murmúrios das plantas
rasteiras à beira-mar

no coração do lume as palpitações das águs presas
os cordões umbilicais que se entrançam enegrecem
as vísceras que escutam Bach cantam os coros voláteis
rompem-se em partículas não observáveis

nas almas reluzentes dos nados-mortos deitados sobre
véus de noivas dilacerados tingidos de invisivilidade
as portas intransponíveis dos outros universos
que de longe nos acenam improbabilidades poéticas

m.f..s.

retorno a ti o corpo sem substância o corpo sem corpo
neve derretida nas covas da pele rochosa de montanhas sem idade
retorno um esboço de um esboço à espera do vigor do traço criativo

m.f.s.


o ladrão que se aproximava tinha o rosto branco como os mascarados de veneza
nas fendas dos olhos havia o negrume que cobre as noites do outro lado da lua

não tinha forma a sua alma de transgressor que procura o próprio rasto
o rutilar das mãos cegava os que o seguiam pelas veredas dos rios

o movimento dos seus pensamentos cravava rotas impossíveis
guiava a sua natureza quântica pelas presenças eternas e omnipresentes

mudava o seu destino e o de todas as outras fugidias representações
repercutia-se pelos diversos níveis da existência em ondas infinitas

m.f.s.


jardim suspenso como a ilha de Swift
habitado como as colmeias
desenhado a carvão no cérebro do criador

cheio de brisas valsantes e musicais
candeeiros descendo das nuvens
corpos velhos de espíritos novos
nas relvas esmeráldicas

o chilrear de todas as crias
vogando no vazio dos átomos
presentes ao mesmo tempo
em todo o lado
ligados pela existência

jardim de sangue
jardim de carne
jardim

m.f.s.

fugiste com lama nos pés
catadupas de estrelas em teus olhos
voando pelo espaço arrastadas
pelo vento que te roça o rosto
saltaste os abismos entre as montanhas
arrancaste as raízes que te prendiam
ao pântano

m.f.s.


do fundo do oceano brotam as ilhas

em grandes haustos arranham as nuvens
arrumam-se
vestem-se de verdes
enfeitam-se de asas bicos patas
grasnidos semeiam areias de
ouros rubis...diamantes

à noite murmuram com o oceano
os sombreados rugidos das águas

m.f.s.


antes de se despedirem soltam imagens de transparências
como as fotografias de luzes arrastadas
olham para um vácuo privado entre duas galáxias
balançam os corpos lentamente como sonhos que se alongam

afastam-se do parceiro de uma estação
erguem os pescoços fitam as neblinas
gargarejam sonoridades jazzísticas
imobilizam-se como se rezassem

levantam voo para os pântanos do norte
em nuvens de asas esvoaçantes

m.f.s.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Escrito

as mulheres transviadas olham atentamente
as unhas quebradas
suspiram intimamente por elegâncias brejeiras
espreitam as janelas da rua da frente
olham ansiosas o telemóvel sobre a cama

qualquer campainha nas portas vizinhas
as sobressaltam
passeiam impacientes sobre os tapetes puidos
falam sozinhas utilizando impropérios
agarram no casaco e saem para a selva

m.f.s.

Escrito

o meu amigo azul-escuro tem olhos cor de luar
as orelhas são obtusas
os dentes em coração

as mãos agarram colares
pescados da boca das dóceis baleias

é de água feito o meu amigo azul-escuro


m.f.s.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Escrito

porque os caminhos estão recuados no mapa
as horas não soam nos campanários
aqui estou numa paisagem sem ídolos
sem neblinas entre as árvores

mas com árvores ao menos
povoadas de véus sombreados
de ouros recolhidos nos oceanos
de hipóteses em estantes

aqui estou

não visível talvez não detectável
pelos radares dos olhos insectívoros
vogando num mar sem corpo

aqui estou (suponho)

m.f.s.

quinta-feira, setembro 28, 2006

agonizo nesta nuvem de sois moribundos
a leste de nenhum paraíso
roendo as cordas da traição mortífera

meu coração duplo de mim

acordam as vozes os suspiros
relutantes das vítimas enclausuradas
nos braços dos carrascos enamorados

meu coração de arma ao peito

seguem-se os passos relutantes
dos candidatos à morte prematura
nas telas de vidro fosco

meu coração que se esbate

corro no horizonte dos felinos
salto na espuma das ondas amortecidas
visto a pele do lobo domesticado

m.f.s.


no meio espaço entre o sim e o não
violentos confrontos fazem cair o céu sobre as cidades
roubam rochas à lua que fica mais leve
a nos abandona

rapinam-se as cores com que os cegos
pintam as formas dos seus androides do costume
a turbulência das rosas em explosão
espalha perfumes como uma lata de spray
nos labirintos formigueiros

as alegres ratazanas dos charcos agoirentos
desenham mais um anel nas caudas peladas e flexíveis
cheiram afanosamente os detritos
põem mais um fulgor nos brilhantes olhos

as tranças das meninas violetas desfazem-se
em rios de auroras boreais

m.f.s.


a sombra
a sombra
o lusco-fusco
a silhueta

as planuras
as planuras
secas
amarelas

as linhas
os rasgões
a plenitude
o vazio

o branco
o grito
o gesto
o gesto

o eu
o tu
o nós
o vós

o eles
o eu
a luz
o túnel

a luz

m.f.s.


preciso de roma
de atenas
de tebas

os antigos deuses
abandoram-nos
levaram com eles
as velhas magias

ficámos órfãos do
maravilhoso
dos rituais misteriosos
das velhas crueldades

preciso de jerusalém
do fogoso david de
cabelos vermelhos
dançarino e tocador

guerreiro e
arranca-corações
amigo e traidor

faz-me falta gudea
e a sua túnica portadora
de história
hamurabi e o seu
olho por olho
assim como fizeres
assim terás

daniel ainda dialoga
com os leões
ainda se senta à entrada
da cidade

ainda nubla o futuro de
negras tintas
números estranhos
salvações impossíveis

penso em caim
torturado pelo ciúme
ganancioso na sua dor
de filho na margem

os deuses voltarão
de novo armados
de novo guerreiros
carrascos
das suas crias

m.f.s.

canção do soldado

a perfeita canção do soldado arma-se nos olhos dos escondidos
daqueles que cegam à luz do meio-dia

a perfeita canção do soldado soa a marchas de botas apertadas
enche-se de alegre patriotismo

a perfeita canção do soldado faz cair os pés de barro
dos ídolos instalados nos gabinetes

a perfeita canção do soldado soa a marcha fúnebre
com botas brilhantes e apertadas

m.f.s.

terça-feira, setembro 05, 2006

Novo bloco

não sabemos que vertigens nos esperam
atrás das portas fechadas das casas encantadas

sabemos que as imagens dansam como violentos
vendavais

a excelência das transparências nas
janelas dos arranha-céus
o reflexo das luzes dos néons
publicitários

os mundos pressentidos nas ruas
vielas
becos
auto-estradas
sem vigilância

isso sabemos


m.f.s.



de que sorriem as noites claras de janeiro
de cintilante frio nos céus de lua plena

de que se queixam as noites de agosto
rasgadas pelas trajectórias
de suicidas meteoritos

de que nos lembramos quando olhamos
as nossas veias

m.f.s.



correm os cavaleiros pelas estepes
levam a tiracolo os corações roubados
em noites de trovas e fingimento

exibem nas suas armaduras os cabelos cortados
às damas que por eles se diluiram
em lágrimas tépidas
inúteis
sem retorno

m.f.s.


longas caminhadas nos esperam
longe do útero materno
à saida dos corredores abismais
onde a nossa alma permanece
todavia

não se levantam as gaivotas à nossa passagem
fugaz caminhar sem sombra sem cor
sem luz
sem eco

sem sandálias percorremos a Via �pia
não podemos perguntar "Quo vadis"
sem o dom da palavra transformada
sem o som dos clarins dos mundos
em espirais de contentamento

não há descanso na busca


m.f.s.



a realidade que nos tolhe os passos a cada manhã
que nos acorda dos oníricos pensamentos
que nos massacra nas imagens a preto e cinzento
que nos engole como voraz Pantagruel

as sementes que germinam vertiginosamente
nos campos áridos das planícies do sul
as résteas de aragens perfumadas de
estrelas em implosão

os vácuos que se digladiam como touros e toureiros
na decrépita arena dos tempos em caótica dança
mãos que se prendem ao rebordo do invisível
e deixam cair as luzes dos horizontes
nos abismos

a certeza que nos prende
desenhada nas páginas
vazias do infinito

m.f.s.

quinta-feira, agosto 24, 2006

vários

já só resta uma silhueta
alguns farrapos de histórias
fios de vidas sem passado

as veredas dos campos
enchem-se de ectoplasmas
azulados

uma ou outra flor enegrece as corolas
as sombras desfazem-se em fumos
não se ouvem os relâmpagos

m.f.s.


se tens memória sabes que há outras paisagens
noutros espaços
sabes que se perdeu a inocência nos gemidos
dos anjos expulsos

lembrar-te-ás de outras cores nas silhuetas
contra os vidros estilhaçados
das fábricas abandonadas

não perseguirás sombras que sabes perdidas
para sempre
no gume das facas ponteagudas

não quererás guardar memórias arrefecidas
nos gelos dos planetas que te povoam
o universo pessoal

e intransmissível


m.f.s.


partirás também tu partirás
fugirás pelo canto do olho
sem deixar sombra

outros ares te limparão os olhos
as searas já estarão secas
quando por elas passares

tu partirás invisível
como um suspiro
silencioso
como um harpejo


m.f.s.



serei um dia a pedra precária na falésia
formada na fúria dos ventos marinhos
nos estremeções da terra inquieta

serei grão de areia nos grãos de areia dos oceanos
gelo no granizo extemporâneo sobre as aldeias do interior
talvez vento cantante sobre as cabeças das
crianças assustadas

serei um fio de cabelo que desenha grafismos
sobre os papeis das secretárias
uma folha acabada de cair em pleno verão

serei o indizível presságio no coração
dos loucos de belos olhos garras nas mãos
facas nos dentes de vampiros


m.f.s.

quarta-feira, agosto 23, 2006

não entendo

não entendo a rosa na sua altivez de flor armadilhada
melancolia camuflada em vestes de veludo oloroso

não entendo a voracidade das suas garras as serrilhas
do seu dorso de asas dentadas e verdes...verdes

não entendo porque morres tão cedo rosa de todos os sois
perfumada de desencantos

m.f.s.

sábado, agosto 12, 2006

As noivas de Maio

as noivas de maio correm pelas campinas ainda verdes
arrastando longas nuvens de véus
os ramos de flores brancas que seguram nas mãos lívidas
amarelecem e secam silenciosamente

as libélulas seguem-nas em delírios valsantes
os cucos assustam-se e voam para outros ninhos

nos degraus das escadas nas igrejas abandonadas
os noivos baixam os olhos em íntimo desgosto
desmembram os ramos de laranjeira das lapelas
desvanecem-se lentamente no cenário indiferente

m.f.s.

as mulheres

as mulheres decepam as macieiras em rituais de revitalização
os ramos choram a perda das mães deixam-se levar para as fogueiras do próximo inverno
estalam no calor das lareiras

as mulheres puxam os lenços para a frente dos olhos
espreitam as frestas solares nos céus de cinza
matam-se em milharais no sol a pino

os coelhos farejam as coelhas no cio saltam-lhes para cima e invadem a austrália
há cães com lamentos prolongados contra os horizontes de luzes nocturnas
perderam a identidade em ancestrais evoluções e sentem saudades

homens pelos campos perdidos na busca de suas sombras lançam surdas tristezas

m.f.s.

as meninas deusas

as meninas deusas de corações vermelhos
têm espinhos
e facas aguçadas nos regaços
usam coroas de flores de cera e empalidecem
quando julgam ver o amor à espreita
olham de revés as mulheres caladas
cravam as unhas nas orelhas dos que ouvem sinfonias
riem como pássaros libertos ao cair dos luares estratégicos

as meninas deusas sacodem as saias molhadas das águas donde nasceram
erguem os queixos altivos tecem sedosas teias
e agarram os homens-homens que as esperam
deseperadamente

m.f.s.

sexta-feira, agosto 11, 2006

presenças

solenes presençasas atrás dos ombros
companhias imponderáveis no cenário

nadas nadas aroma de mim distraída de mim
sombras e luzes nos horizontes enigmáticos

aroma de ti reflexo de mim
não encontro a raiz
espirais de vozes dedos de fumo aromas

linhas linhas
linhas

m.f.s.

houve uma infância

houve uma infância

lembram-se as avós das fadas dos recantos
iluminados em sótãos imaginados
falam as avós das visões dos mares internos em remoinho
das nuvens baixas que molham os rostos das crianças
das flores que se fanam antes de abrirem as corolas

dos pássaros palradores nos ramos tardios dos carvalhos

dos pavões e dos seus gritos premonitórios

recordam as avós os natais ensombrados pelos fantasmas às janelas
as procissões cheias de açúcar nos tabuleiros das oferendas
os naperons de papel sabiamente recortado

choram baixinho as avós pelas asas que perderam
nas páscoas de giestas e de pombos
contra o cetim roxo

m.f.s

quinta-feira, agosto 10, 2006

na realidade

na realidade abrasiva dos dias baços
os murmúrios das fontes escondidas
envolvem os corpos
soam como gritos despedaçantes
das carnes
arranham as paredes de marfim
dos espaços claustrofóbicos

m.f.s.

não sonho

não sonho o desfazer das nuvens o corropio dos insectos os sons das madrugadas
não tenho no armário onde escondo os lírios roxos dos campos do sul a
lupa que aumenta as dores dos anjos sem asas e sem reflexos nos espelhos

nãoo prevejo o ataque dos vampiros desesperados a oclusão da luz nos olhos enevoados
a chuva após os ritos sacrificiais das virgens extasiadas
não vislumbro o altar em chamas na montanha lunar os olhos dos animais perseguidos
nos bosques dos centauros

sonho que não sonho

m.f.s.

eu te vejo

eu que te vejo ao meio-dia sob o sol de agosto
persigo a tua sombra mínima sobre as rochas em fogo

eu que te invento em cores pálidas na planície
capto o teu pensamento a quatro dimensões

preso no futuro te vejo abandonado
tu a quem o destino roubou a alma o corpo a essência

sonho-te em transparências de rarefeitos ares
a cavalo no vento do deserto incomensurável

na palma da minha mão ainda tenho as cinzas
da paisagem por ti desenhada no meu peito

m.f.s.

Remoto

remoto era o caminho
minha ilusão

tortuoso era

o que queres dizer
não dizes meu
sofrimento

vazio estás
nesta paisagem
vazio és

vazia me deixas
minha alma
parada aqui

m.f.s.

Amuleto

guardei o amuleto junto dos lírios
na gaveta escondida
deitei-me de olhos nos cometas
as brisas afagando os meus cabelos

deixei cair as imagens que me deste
enquanto éramos viajantes
nas dimensões desconhecidas
- sou eu disseste antes de partir

de lí­rio no peito plantado por mim
o amuleto abandonado na minha mão
fios de prata nos cabelos
veredas no rosto entristecido

caem gotas premonitórias
no interior de mim sentada
na minha sombra nocturna

sorrio não sei porquê

m.f.s.

Cantilena

cantilena para adormecer

de casa de meus pais
me levaram
me levaram na madrugada
da casa de meus pais

sonhava que era um sonho
como uma história
um sonho sonhado
na madrugada

quis acordar não podia
o sonho me enredava
nas suas teias de aço
em noite aziaga

para casa de meus pais
me transportaram
em noite de plena lua
e eu sonhava

acordar não podia
acordar não pude
fiquei presa na lua
da madrugada

m.f.s.